29.8.11

LACAN COTIDIANO - NÚMERO 3


« A volta será lacaniana » — Le Monde des Livres, 19 août 2011

LACAN Cotidiano
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Carta de Voltaire a Jacques-Alain Miller
Uma borboleta que fala?  Isto não existe!
The Paludes Breeze não responde!
Quarta-feira, 24 de Agosto de 2011
10h47 [GMT + 1]
***

Caro Jacques-Alain,
O seu artigo no “Lacan Cotidiano” n° Zero sobre o protocolo PROSEMA é, indo um pouco além de uma primeira abordagem, muito difícil de classificar: tanta erudição e humor em tão poucos centímetros quadrados... é raro. Vamos logo para a sequência! Quanto a mim, o artigo de Schneider me inspirou pensamentos mais... grosseiros.  Enfim, eu assumo. Eis aqui o que eu teria respondido. Abraço Kristell


Les papillons de Lacan
par Kristell Jeannot
*
“Uma porcaria.” Esta é a primeira palavra que me veio à mente ao ler este artigo. Desculpem-me. “Uma porcaria mal escrita, que não se parece com nada.”
Um de meus interlocutores havia proposto o termo “escarro”. Esta palavra permite, de fato, expressar ao mesmo tempo, o arcaísmo do insulto e o aspecto fragmentado, descosturado do artigo.
Eu não entendi como uma coisa tão mal escrita tenha sido publicada em uma revista tão respeitável. Não é preciso ser um grande letrado, nem um antigo aluno da ENA*, para se dar conta de que o autor ignora o essencial do pensamento de Lacan. “Lacan era o mais provocador dos psicanalistas”, diz a mordaz introdução. Subversivo teria sido melhor. “Subversivo que, jogando-se impetuosamente e soprando com força os recifes, transtorna” (Leiris). O que Schneider não entendeu é que a psicanálise em si é que é subversiva. Ele acha que Lacan o provoca. Ele se defende.
Para colocar as coisas em seus devidos lugares, digamos que Lacan é um homem que teve a coragem de se mostrar à altura de um campo de pensamento que incomoda todos os nossos eu não quero saber de nada, que desmascara as nossas covardias acerca do desejo, que nos desafia a emergir os alicerces de nossas escolhas de vida.
Conquanto tão fraco no plano intelectual, este artigo teve o mérito de levar-me de volta à minha própria descoberta de Lacan. Os textos de Lacan revelam uma visão inédita do mundo, longe dos a priori da psicologia e do discurso corrente, e sobre a ética que exige a psicanálise, tanto na busca do bem-dizer no decorrer de uma análise, assim como na escuta de nossos pacientes, e no trabalho que realizamos com eles.
Ah! e tem mais isso! Para ler Lacan, não é preciso dar uma de mestre. Senão nos angustiamos rapidamente. É preciso, ao contrário, ter o gosto da reflexão, eu diria mesmo, o instinto da aventura e da exploração e adquirir uma certa erudição. Para alimentar a sua reflexão, Lacan dispunha, certamente, de um número impressionante de referências saídas da psiquiatria, mas também das matemáticas, da filosofia, da literatura, etc., que poucas pessoas possuem. Quando não têm o firme propósito de querer compreender, estas pessoas subtraem de Lacan, trechos de suas frases e, como papagaios, os repetem com uma condescendência enganosa que, de fato, mascara o amargor de seu fracasso em penetrar a significação.
Sim, Lacan amava a língua. Ele tinha o sentido da fórmula. Mas, não é possível compreender nada do que ele escreve ou diz, se não nos debruçarmos várias vezes sobre este conteúdo, se não se fizer várias vezes um tour pelos seus artigos, suas conferências, suas obras. No que me diz respeito, abordo os textos de Lacan como se estivessem escritos em uma língua estrangeira. Aceito o fato de não compreender imediatamente, me agarro a um conceito, reparo como ele se articula com os outros, como ele vive – no momento de um seminário e, igualmente, no transcurso de encaminhamento do seu pensamento.
O problema de um Schneider é que ele mumifica, mortifica o pensamento de Lacan, pinçando algumas frases dele como borboletas. Jacques-Alain Miller, ao contrário, faz viver este pensamento, respeitando as palavras-borboleta de Lacan.
Há dois anos, participo do seu seminário DIVA, que ele realiza para os jovens e que começou em sua casa. Somos uns trinta, a maior parte entre vinte e trinta anos; encontramo-nos uma vez por mês, não mais, durante uma tarde. Entendo bem, agora, como ele procede. Para fiar a metáfora, ele procura agarrar estas borboletas em sua rede, mas tão somente com a finalidade de nos mostrar as suas cores e características. Depois, ele as solta. Ele não é o mestre, nem o domador, nem o colecionador, menos ainda o assassino: é um apresentador de borboletas em liberdade.
Na solidão estudiosa, nós tentaremos, por nosso lado, reencontrar nos escritos e nos seminários de Lacan, borboletas ainda não vistas e que nos falam.
VIDA DE LACAN
por Jacques-Alain Miller
está no site da revista BHL
A REGRA DO JOGO
http://laregledujeu.org/
disponível nas livrarias na volta das férias





Voltaire
Carta a Jacques-Alain Miller

*
Prezado Senhor,
Escrevo-lhe rapidamente este bilhete, para fazer uma pequena crítica: primeiro, pelo fato de não ter me incluído na sua assembleia de sábios, bem pouco grego é verdade, entre aqueles que o senhor chama de sua empresa e depois pelo fato de se deixar conduzir por maçantes sereias. Não estou bem seguro das garantias de seriedade de seus colaboradores.
Nunca ouvir falas destes senhores Khanulard et Hanlapip, assim como do senhor Kadérate; seja como for, não pressinto nada de bom nesta sua próxima colaboração com estes caras. Eles me parecem ter muitos títulos grandiloquentes para serem bem nascidos.
Há, ainda, o fato, ouso apenas confessar, de me sentir triste por ter o senhor me omitido entre as referências que o senhor chama de sua obra. De fato, eu o vejo com amizade há muito tempo, talvez desde quando, recentemente, o senhor disse coisas tão encantadoras (Eu me lembro que foi em 17 de junho de 1998) sobre a minha “Pequena digressão”. Fiquei contente que tivesse lhe agradado – “Nada me agrada mais em francês do que esta pequena história”, o senhor se permitiu dizer – Que homenagem!
Penso nisso com frequência e estou contente de não ter perdido o meu tempo escrevendo este pequeno texto que era, de resto, apenas uma brincadeira para provocar um pouco o nosso Diderot, com quem, eu dizia a meu amigo Paliso, eu lamento muito, não ter jamais conversado, apenas através de cartas. Mas a sua Carta sobre os cegos tinha irritado meu gosto. Se puder citar a mim mesmo, sem muito impudor, eis aqui o que escrevi a ele:

Agradeço-lhe, senhor, pelo livro engenhoso e profundo que teve a bondade de me enviar; apresento-lhe um que não é nem um e nem outro, mas no qual o senhor verá a aventura do cego de nascença mais detalhada nesta nova edição do que nas precedentes. Estou inteiramente de acordo com o que o senhor diz a respeito dos julgamentos que formariam, em caso parecido, homens comuns que teriam apenas bom senso e filósofos. Estou zangado por ter esquecido, entre os exemplos que citou, o cego de nascença que, ao receber o dom da visão, via os homens como árvores. Eu li com extremo prazer, o seu livro que fala muito e que faz entender mais. Há muito tempo que lhe estimo, de tal forma que desprezo os bárbaros estúpidos que condenam o que absolutamente não entendem e os maldosos que se unem aos imbecis para proscrever aquele que os esclarece”.

Hoje, é para o senhor que eu escrevo, meu caro amigo, e vou lhe dizer que não é nada bom que um rapaz como o senhor, dotado de tal grandeza de visão e de um tão bom julgamento, deixe-se deslumbrar por falsas ciências e falsos sábios. Ora, todos esses que o senhor chama em seu socorro parecem – ainda que eu os conheça somente de ouvir falar – muitíssimo engraçados e distintos. Por que, então, engajá-los nessa aventura deste protocolo PROSEMA, do qual eu não entendi uma vírgula sequer?
Assim sendo, acontece que eu conheço um pouco o doutor Faustroll, que considero como um amigo, pelo fato de cruzar frequentemente com ele ao voltar para casa, lá onde estou morando agora, no final da rua Soufflot, quando subo a rua Monsieur le Prince, onde fica o Procope, e onde eu tomo o meu café a caminho de comprar o meu creme no Polidor. O homenzinho em questão parece ser bem amável, mas, sem dúvida, permita-me dizer, sem querer lhe contrariar, que ele é um louco, um lunático. Com o seu macaco no ombro, ele é, ao mesmo tempo, surpreendente e encantador. E ele tem os seus amigos! Este lorde Kelvin, por exemplo, é de um tédio mortal e eu não entendo quase nada dos seus princípios termodinâmicos: “Se for um ciclo mono-termo, ele não pode ser motor”. Impediria esta bela coisa de ser o que se é, de viver inteligentemente com os seus, sem ser afetado pelos redemoinhos do mundo?
E além do mais, eu gosto muito da língua de Albion, como o senhor deve bem saber, então por que rechear os seus propósitos com todos esses anglicismos em mil e uma referências que não foram lidas por ninguém? A nossa boa Enciclopédia não se equivaleria à Britânica? E com relação às Philosophical Investigations, creio que, contas feitas, prefiro o empirismo do bom Berkeley. Sem dúvida, o senhor conhece os meus Elementos da filosofia de Newton, onde defendo que é a alma que sente e que todas as imperfeições do olho sadio ou doente provam que a geometria natural deste órgão não é suficiente para explicar o fenômeno da visão.
Diderot considera que a famosa imagem cartesiana do cego que segura bastões cruzados presta-se a uma interpretação materialista, uma vez que ela permite dizer que o que está à esquerda, é imediatamente sentido e julgado à direita pelo toque e, inversamente, o que está à direita, sentido e julgado à esquerda. Continuando com esta analogia, poder-se-ia afirmar que as partes inferiores e superiores do olho trazem de volta, “de repente”, as suas respectivas sensações aos seus verdadeiros pontos de origem e que o olho seria então capaz de corrigir, por si só, suas imagens de retina? É, evidentemente, impossível que o olho julgue por ele mesmo e corretamente, uma vez que para isso, ele precisaria ter consciência e conhecimento da geometria que nele se executa. O olho não pode julgar a extensão; e o fato de ele receber somente cores: há uma heterogeneidade radical das diferentes séries sensoriais, sendo o toque o único sem extensão.
Então, esse negócio que o senhor está anunciando que seria uma ferramenta que permitiria o uso automático das explicações do texto – o que o senhor chama de uma maneira confusa e disparatada de “análise das torções textuais tendenciosas” – me parece um contra-senso, se penso no que eu achava que o senhor gostava. Nem Beyle, nem Baudelaire, nem eu retornaremos a isso! O senhor sabe tanto quanto nós, que um texto não tem nada que se explicar e, sim, a implicar-se.
E este Michel Scheneider, que está tomando o seu tempo com os seus sonhos sobre Marylin Monroe, será esquecido dentre de vinte anos, ao contrário do senhor, eu aposto.
Então, eu vejo claramente o que a minha palavra tem de mau gosto, pois, de um lado, eu me queixo do projeto que o senhor realiza e, de outro, eu me queixo de não estar entre aqueles, cujo testemunho o senhor invoca, mas o que importa, estou com o senhor para sempre e envio-lhe a minha amizade.
*
Mas o que é este ensaio? Um panfleto? Meu Deus, eis-me aqui me sentindo ridículo de ter lhe interpretado tão pouco. Eu estou envelhecendo ou então, eu estou cego ou, ainda, é o mundo atual que temo. Não faz mal. Deposito as minhas homenagens a seus pés.
pcc : Pierre Stréliski
Tradução: Daniela de Camargo Barros Affonso
N.T.: * ENA (École Nationale d’Administration)

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