Disponível em Lacan Cotidiano 216
٠
por Jean-Claude Maleval
O livro de Jean-Claude Maleval toma seu ponto de partida nas epidemias de transtornos mentais engendradas nos EUA, pelas terapias autoritárias. Uma pesquisa apaixonante, que ajuda a entender o tempo presente, quando as impressionantes mistificações que os EUA conheceram, entre os anos 1970 e o final do século, perderam seu caráter de convicção popular.
Que lógica ordena a onda de crenças, que viram se multiplicar as vítimas de abdução por extraterrestres, de sevícias sofridas na infância, até a propagação da personalidade múltipla, transformada, na nova edição do manual da American Psychiatric Association, em Transtorno dissociativo de identidade?
Cortados da história da psiquiatria, os clínicos se desinteressaram da herança clínica, abandonando toda exigência teórica para apreender os transtornos mentais. O grande público, por sua vez, aderiu muito rapidamente às concepções circunstanciais, como se lança, hoje, sobre as concepções neurobiológicas; a época se presta para quem via nos EUA o retorno das preocupações religiosas, do satanismo e dos movimentos feministas. Um discurso tomou corpo, que induzia a novas versões do sofrimento psíquico, graças à hipnose, privilegiando, de fato, a fantasmática das sevícias sexuais e dos maus tratos.
A aprovação que lhe foi concedida exclui, de fato, a descoberta freudiana do inconsciente.
Ela foi claramente privilegiada pelos psiquiatras formados em Harvard e por terapeutas conhecidos (J.E Mack, Colin Ross, C.Wilbur etc.).
A rigorosa demonstração de Jean-Claude Maleval permite apreender que os poderes de sugestão, que toda terapia contém, podem adquirir muita força de convicção, quando a ciência lhes dá caução. É sempre possível generalizar uma hipótese apoiando-se no que sucede com o paciente. A terapia se torna então a verificação de teorias rocambolescas, capazes de explicar os transtornos mais diversos. As novas síndromes são assim chamadas, gerando adeptos e exercendo sua fascinação em nome da ciência e de suas teses. É um negócio de opinião pública, mas também de publicações, de estatísticas que, generalizando uma predição, operam uma universalidade. Resta então tomar as medidas legislativas, que parecem se impor, em nome do bem público, repensar as formações. Até o momento em que a mistificação, que não deixa de ter em certos casos efeitos curativos, apareça.
Os terapeutas, que são questionados nessa obra, são qualificados como autoritários, por acreditarem poder modificar a posição do sujeito. Eles não percebem que sua abordagem supõe eliminar o elemento subjetivo, sempre embaraçoso sob o olhar das variáveis crescentes e de seu delírio de previsão. O livro fervilha de exemplos, onde se vê a amnésia, os pesadelos, os problemas somáticos interpretados pelo terapeuta como a prova de que um trauma aconteceu. O fato de resistir à sugestão, à ausência de provas, é decifrado como informações indiscutíveis. Elas atestam a validade do postulado terapêutico.
Privilegiando a observação dos comportamentos, sua descrição, os métodos de ontem e de hoje, impede-se alcançar a proliferação dos sintomas, seu caráter excessivo, móvel, em referência à teoria freudiana da libido e do inconsciente.
O novo mito opera aí, sem vergonha das reduções metodológicas e restringe toda criatividade no domínio da pesquisa, em nome de objetivos terapêuticos de curto prazo. Dispensa-se hoje a hipnose e privilegia-se, como preconiza as terapias cognitivo-comportamentais, a eficácia técnica. O sonho do terapeuta autoritário é realmente aquele do homem normal.
Daí em diante, prossegue Jean-Claude Maleval, « O fim justifica os meios, mesmo os piores », (P.88).
Na época dos direitos do homem, pode-se pensar nos terapeutas com reservas em relação ao método « psicoelétrico educativo », para cuidar dos traumas de guerra; espera-se que não haja mais partidários do condicionamento skinneriano, para tratar das perversões sexuais. É que o desejo de curar ganhou a cara sorridente da boa vontade. Eles se proíbem os excessos de outrora, o choque elétrico punitivo, mas o behaviorismo está mais atual que nunca. As boas intenções recaem sempre sobre o método que se liga à observação e à retificação dos comportamentos. Para além da patologia, a impressionante mistificação de nosso século XX é a ideologia cognitivo-comportamental, que se estende a todos os domínios da vida social.
Seus últimos avatares trabalham na gestão, na educação e no cuidado dos autistas, que têm seus zeladores: a incitação a reduzir os sintomas através de métodos de aprendizagem, valorizando as terapias cognitivo-comportamentais, está por todo lado. Ela induz o professor, o educador ou o cuidador à ideia de que o fracasso terapêutico se deve à má vontade do aluno ou do paciente.
A orientação pela experiência no tratamento analítico dispensa comitês de ética, para limitar seus estragos. A análise ajuda a tomar distância dessas miragens, ela aperta o cerco do ideal terapêutico. O tempo que for preciso, e graças à transferência, faz com ela permita suportar a dolorosa relação ao saber, que interdita o uso da sugestão. Se o saber fica, nas terapias autoritárias, do lado do Outro, a formação pela experiência do tratamento coloca o x a ser decifrado do lado do paciente. Nada de aplicação automática de um programa, de cifra, de estudos, no sentido como entende a tentação cientista.
As terapias racionais também têm interesse na dimensão da transferência. Elas sustentam uma posição ética e uma relação ao saber que dá lugar à causalidade psíquica.
A partilha decisiva não passa, portanto, sustenta Jean-Claude Maleval, entre as formações, as especificidades profissionais, mas entre aqueles que sabem respeitar a singularidade do sujeito, e aqueles que justificam suas práticas em uma referência à eficácia.
« Enquanto a psicanálise for viva », conclui o autor, « ela não deixará de incomodar aqueles que preconizam a gestão do humano em detrimento de sua singularidade».
Jacqueline Dhéret٠
Nenhum comentário:
Postar um comentário