(Resenha desenvolvida na preparação para o 5° Encontro Americano - ENAPOL)
Por: Antonia Claudete Amaral Livramento Prado - EBP-SP
Este texto resulta do trabalho de investigação de Éric Laurent sobre as psicoses, desenvolvido no Setor Clínico do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII, e no seminário de doutorado de Jacques-Alain Miller. Compõe uma série de dez conferências de Laurent, proferidas na Argentina, e foi por ele incluído na Parte III – A psicose e seus limites (pp. 184-190) – da Coletânea idealizada por Manoel Barros Motta, intitulada “Versões da Clínica Psicanalítica”.
Laurent inicia falando da psicose como “um sistema de tomada de notas” em contraposição à histeria cujo sistema se mantém acobertado pelo seu “teatro interno”, lembrando que, enquanto na neurose o inconsciente é mantido encoberto, na psicose ele é colocado de forma explícita – escrito em um bloco de notas. Frente a essa escrita, coloca a seguinte questão: o que o discurso psicanalítico pode fazer com esse texto tendo em vista os limites que a psicose impõe à interpretação? Como estabelecer uma interlocução com um sujeito que escreve “quando a via da interpretação é barrada? Aborda essa questão retomando a citação de Lacan sobre o “gênio freudiano”, quando, ao trabalhar os textos de Schreber, decidiu introduzir ali o “sujeito [do inconsciente] como tal”, atribuindo-lhe um saber – o que tem valor de intervenção – o que leva Lacan à seguinte formalização: “introduzir o sujeito como tal, o que quer dizer não avaliar o louco em termos de déficit de dissociação das funções”. Conclui Laurent, dizendo que a proposta de Lacan é abordar o sujeito pela lógica do saber inconsciente, atuando, o analista, na posição de secretário do alienado, de forma a “introduzir o sujeito no texto psicótico e a ordenar, a partir daí, a produção que irá manifestar-se no tempo”.
Sobre a leitura do texto psicótico, o autor traça um paralelo entre a posição do lingüista e a do psicanalista, indicando as distintas dimensões em que se dão as duas interlocuções: a do psicanalista interpelando o sujeito do inconsciente e a do linguista, preso às estruturas da língua, Jacobson, a partir de sua leitura da poesia de Hölderlin, via ali a prevalência do monólogo na relação com o Outro em detrimento do diálogo, considerando que essa “estrutura monológica” é a mesma que ocorre com o sujeito psicótico. Equipara assim, a estrutura poética de Hölderlin à estrutura psicótica, idéia que contraria o posicionamento de Lacan sobre a psicose, ao dizer que o psicótico consegue dialogar sim com o semelhante, porém, é incapaz de estabelecer um monólogo com o Outro, como Schreber, que sempre manteve o diálogo com a esposa e com os leitores, enquanto que o relacionamento com o Outro “estava profundamente perturbado”, o que o conduziu às suas produções delirantes.
Jacobson apresenta, em 1976, como uma descoberta sua, a ausência de embreantes (shifters) no texto psicótico. Entretanto, Lacan, valendo-se do conceito jacobsoniano de ‘embreantes’, já havia indicado isso, antecipando Jacobson em vinte anos. A importância aqui está no aspecto não dialético da certeza psicótica, o que leva Laurent a retomar as noções de ‘aproximação’ e ‘afastamento’, não em termos de dialética, mas em relação ao par ‘presença/ausência’, ao lugar do gozo na escrita psicótica, o que não é considerado pela linguística.
Laurent, então, dá ênfase à introdução da categoria de sujeito pelo psicanalista valorizando a ficção literária do psicótico, tomada como ficção, em termos benthanianos - da “distribuição partilhada do gozo”, destacando a função fundamental do texto como operador de um “esvaziamento do gozo”. A lógica do sujeito, tal como formulada por Lacan, é pautada na teoria dos conjuntos, na qual a função do conjunto vazio insere a “lógica da barra”. Isso remete à função do psicanalista de introduzir aí um furo que ppossibilta o esvaziamento necessário do gozo. Laurent observa, lembrando Lacan, que na psicose há o rechaço do inconsciente, mas não do lugar do analista no dispositivo, “lugar da aparência de furo que o sujeito tenta produzir em seu delírio”, furo esse para onde ele endereça sua letra em seu duplo aspecto: letra-gozo/letra-lixo. O analista, na função de secretário, recebe essa letra e a despacha. Como semblante de furo, insere aí um menos capaz de promover o esvaziamento do gozo, de favorecer “a perda necessária” da letra-lixo.
* LAURENT, É. O psicótico escreve... In: Versões da Clínica Psicanalítica. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário