"Sintoma e nome próprio"
(Resenha desenvolvida na preparação para o V Encontro Americano - ENAPOL)
Valéria Ferranti EBP-SP – CLINa
O autor enuncia o percurso do texto: localizar a identificação depois da segunda tópica freudiana, seguido de uma crítica lógica do lugar do nome próprio para enfim situar o sintoma no lugar do nome, como um quase-nome. Tal percurso é possível, pois Lacan, a partir dos anos 70, realiza uma nova articulação entre identificação e sintoma.
Com três rubricas dividindo o texto, O sintoma e a identificação: do pai ao traço é a primeira delas. Sublinha um possível equivoco: tomar a identificação ao sintoma, próprio do final da análise, em uma dimensão cronológica. O que está posto ao final do percurso analítico é outro uso de uma articulação presente desde o inicio.
A partir de Psicologia as massas e análise do eu, texto consagrado a identificação, Laurent afirma que Freud buscava uma representação metapsicológica em relação ao pai, mas como a identificação incide no sujeito situado como prévio a escolha de objeto, tal representação torna-se difícil. Retomando Totem e Tabu nos lembra que a primeira identificação é uma incorporação canibal. “O Nome-do-Pai para Freud, se processa através de uma representação metapsicológica concreta que não é outra além daquela de um laço necessário entre identificação e corpo pela incorporação.” A primeira identificação é canibal, a segunda com o sintoma. Pai espesso da horda que Lacan reduz a um traço. Com o termo amódio, condensação de amor e ódio - ampliando a ambivalência freudiana – há o relevo na primazia da identificação. Identificar-se vem primeiro, amar ou odiar vem depois. Em sua terceira modalidade, a identificação também pode ser tomada quando há a “abstração do caráter objetal”
Como é próprio a seus textos, Eric Laurent percorre rigorosamente o esvaziamento do amor para concluir: “A indiferença no que concerne ao amor é reenviada ao pano de fundo pulsional. A pulsão, ela também, é indiferente ao objeto. Enodam-se, assim, o traço e a pulsão.”
O traço do escrito, o nome próprio e o nome comum: nesta rubrica, Laurent aproxima o fato de que um nome próprio não pode ser traduzido tal como o que do escrito não se lê. Com Levi-Strauss em O pensamento Selvagem e O Totemismo Hoje (1962) encontramos uma avaliação das relações entre o nome e a classificação pelo escrito uma vez que, para o etnólogo, o totemismo é cindido entre uma teoria da classificação e a teoria dos deuses-pai. Nome comum e nome próprio apresentam diferentes estatutos. Mas, como se dá a nomeação? Levi-Strauss sugere que um modo para se obter a individuação é pela utilização de um sistema de nomes que pré-existem e um outro é de relação. Nesta engenhosa argumentação do etnólogo Laurent sublinha que os sistemas de nomeação não engendram qualquer individualismo embora obtenham individuação.
Nomes próprios proibidos, designados pela geração, permitidos aos primogênitos, etc. São muitos modos de permissão e uso dos Nomes próprios que acabam por se imiscuir aos nomes comuns. Portanto, um nome próprio pode se servir de um nome comum e vice-versa.
Levi-Strauss afirma que há um limite para a classificação: quando o processo de individuação foi atingido satisfatoriamente, que para Laurent, trata-se de um critério pulsional. Mas, o ponto mais interessante da interpretação dada pelo autor do artigo é quando afirma: “O limite da obra classificatória de nossa civilização tem um nome muito preciso: são os Direitos do Homem.” A consequencia é que os “quase-nomes” – expressão sugerida por P.F. Strawson que propõe como critério de julgamento de um sistema de nomeação, o uso do nome -, “surgem para nomear o gozo indizível.”
Este percurso na etnografia permite a Laurent afirmar o lugar da psicanálise no sistema de classificação: “A linguagem permite inscrever o trauma do gozo em um sistema significante liberado do sentido comum, para melhor dar lugar aos gozos. Todas as operações de conversão de nome próprio em nome comum e vice-versa supõe que não há sentido comum. Pode haver nome comum, certamente, mas não sentido comum.” Há o DSM, a psiquiatria, a psicologia, enfim, o saber classificatório que nomeia o sintoma em um sistema, mas a clínica psicanalítica, ao tomar os sintomas como “quase-nomes” segue a báscula do regime do Outro e segue o rastro “nos quais vem se destacar uma nova impossibilidade de tradução do gozo que escapa ao sentido e ao múltiplo."
A operação do Nome próprio generalizado e a entrada do nome próprio no nome comum: a partir da experiência de prazer-desprazer postulado por Freud em “Projeto para uma psicologia científica” a nomeação incide sempre sobre a experiência de gozo. Nomeia-se o gozo experimentado com o objeto e em seguida uma descrição, selecionada pelo sujeito, do agente da experiência: a mãe que dá e tira o seio. A mãe será nomeada através do traço, mas também do gozo que se repete, portanto da ordem da satisfação.
Usando referencias no lógico Kripke e Pierce somadas as de Levi-Strauss Laurent faz conjugar nome próprio e nome comum. A consequencia sublinhada é o furo na dimensão do sentido e o acionamento de S1 – que são arrimos para o sujeito.
Na sequencia do texto a referencia passa a ser Joyce. Laurent aponta para uma espécie de operação topológica em Lacan onde “a cadeia do nome próprio entra no furo mesmo que foi aberto. Essa operação se esclarece com Miller: tampar com um furo.”
Laurent conclui este texto complexo: “Conferir-se um nome deve ser entendido no sentido mais amplo, para além das intuições lingüísticas que se apresentam de um modo bastante evidente. (...) Trata-se de uma operação que incide sobre o conjunto do sistema linguageiro.”
*LAURENT, Eric. Sintoma e nome próprio. In Opção Lacaniana. Revista brasileira internacional de Psicanálise. N 38. Dezembro 2003. São Paulo. Edições Eólia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário