Desde o dia 16 de fevereiro foi colocada em linha A PETIÇÃO INTERNACIONAL PARA A ABORDAGEM CLÍNICA DO AUTISMO. Iniciativa do Instituto psicanalítico da criança - Universidade Popular Jacques-Lacan. Para assinar a Petição em linha acesse o site: http://www.lacanquotidien.fr
disponível em: Lacan Cotidiano 151
« HISTÓRIA DA PEQUENA PEDRA »
Mariana ALBA DE LUNA
Todo mundo está ocupado! Um novo lugar de acolhida para crianças autistas nasceu no seio de um ime. Nós o chamamos de Jakadi. Cuidamos de todos os detalhes. O diretor instalou cascalho em torno do jardim: todo mundo reclama! Uma bela manhã, as crianças estão lá. Os pequenos com seus achados e os grandes com suas questões, entramos todos em instituição! As pequenas pedras também.
Uma criança temerosa faz sua aparição. Durante o primeiro encontro, ele fica no chão, perto de sua mãe, manipulando minúsculos cacos de brinquedos que ele pega varrendo o solo e faz cair na sua frente. A mãe pena para falar do que aconteceu com ela como mulher com a chegada de seu único filho. Ela pede um lugar para Benny, que parece já estar trabalhando. É preciso ajudá-la! Jacques Lacan disse : « há certamente alguma coisa a lhe dizer1 ».
Benny elege domicílio aqui onde sua mãe o deixa. Quando ela desaparece, ele parece desamparado. Tentamos falar com ele. Ele retorna ao vestiário diante de uma parede colorida. Com um pedaço de papel, fabrica apressadamente pequenos bolas que joga diante dela, os recolhe freneticamente e recomeça. Ele encontra assim um primeiro tratamento àquilo que faz enigma para ele face à ausência. Ele passará muito tempo nesse manejo. Uma vez que um pequeno pedaço desaparece, é o colapso. Ele se joga sobre nós ou, à nossa falta, contra a parede. Quando reencontra o pequeno pedaço, ele retorna a seus pequenos objetos e nós, a nossas interrogações. Esse mesmo roteiro tinha marcado o primeiro encontro mas a mãe sabia exatamente o que acontecia com sua criança. Ela tinha procurado o objeto faltoso, precioso como uma pequena jóia, um tesouro, e lhe tinha dado. Ela tinha dito que ele se encolerizava sempre quando lhe falta alguma coisa. Acrescentou que quando Benny era bebê, ela o tinha deixado com a propria mãe para poder vir trabalhar na França. Seu filho tinha sido diagnosticado como autista. Agora ela decidiu viver aqui sozinha com seu filho e a lutar por ele. Nós não a deixamos sozinha !
Tentamos regular nossas intervenções junto a Benny sem fazer consistir um saber já lá. Rapidamente a criança se torna sensível a nossas indas e vindas. Ele ri quando um de nós dá uma batida no tamborim a cada vez que seus objetos caem no chão. Ele sai do vestiário e vem nos procurar para nos levar para perto dele. É um primeiro movimento subjetivo. Se nós acrescentamos negligentemente um objeto entre os seus, ele o exclui e nos devolve. Marcamos que aí há um sujeito em trabalho: «Ah! Você escolheu esses aqui!»
Ele vem, às vezes, nos acionar. Nós nos mostramos dóceis a seu tratamento introduzindo sempre variantes. Depois Benny descobre e investe no cascalho do jardim! Ele encontra uma borda de concreto e fica diante dela manipulando as pedrinhas. Arrancá-lo de seu trabalho é uma ruptura. Benny então acha a solução : ele traz as pedrinhas com ele ! somos obrigados a acolher as novas parceiras : o real é um jogo ! Os manejos de Benny se diversificam. Ele faz as pedrinhas escorregarem por algumas partes de seu corpo e em seguida sobre o nosso. Às vezes, ele as joga com força sobre nós. Escolhemos nomear as pessoas que ele trata assim. Ele circula empurrando na frente dele sua pilha de pequenos objetos. Quando se aventura noime, joga tudo no chão reproduzindo de forma idêntica o « lançá-lo no ar que não cessa » com seu corpo. Um dia, excedida pela extensão dos danos, paro sua tentativa dizendo-lhe : « Hoje a gente escolhe! ». É um dia importante ! Ele pega somente alguns elementos da caixa e aceita que eu arrume o resto em outro lugar. « Aí está ! Encontrado ! Você escolheu ! » Em seguida, constatamos uma mudança : de uma série infinita espalhada, Benny extrai « alguns ».
Uma vez mais, o inexorável se repete. Um dos pequenos objetos escapa ! Ele chora, grita e se joga contra mim porque o objeto fica inacessível a seus olhos. Assim que ele se dá conta de si mesmo e se acalmar, tento lhe contar sua história : Você sabe, sua mãe nos disse que seu pai ficou lá, muito longe. Quando voce era pequeno, bem pequeno, ele teve que te deixar. Talvez voce não tenha entendido o que aconteceu com você ? Talvez seja difícil de entender porque às vezes as pessoas vão para longe ? Fiquei surpresa pelo efeito que essas palavras produziram nele. Eu não sei o que foi entendido. Mas a criança acusou ter recebido palavras ouvidas, me olhava e ficava calmamente perto de mim.
Benny produz em seguida um início de organização. Ele reúne objetos segundo suas cores ou formas. Notamos que ele anda pelo jardim de uma nova maneira : agachado e de joelhos dobrados. Assim, peneirando aqui e ali, ele retira uma ou duas pedras maiores que as outras e as guarda, agora cuidadosamente, em seu punho fechado. Com a outra mão, continua a alcançar um pequeno grupo de pedrinhas. Esta prática parece dar densidade a seu corpo. A organização se complexifica : há então os objetos que rolam e os que não rolam, pedras « rolantes » e pedras preciosas ! Inventamos com eles, a cada dia, objetos e continentes para fazer rolar suas pedrinhas.
Atualmente Benny continua seu trabalho em torno de diferentes objetos. Graças à sua pequena construção e ao manejo mínimo que ele inventa, advém uma trajetória subjetiva inédita que começa a se inscrever num laço social. No momento de partir, uma troca agora é possível, ele consente em guardar « um para partir ». Ele se perturba quando se suja e abandona « o pequeno pacote » em algum lugar. No ateliê Isso rola, pega uma pequena bola diferente de todas as outras e vem depositá-la na minha mão. Ao caminhar, escolhe uma brincadeira de fazer rolar uma pequena bola no interior de um engradado colorido que vira com a ajuda de um bastão. Ele utiliza esse objeto fora-corpo para caminhar sem segurar nossas mãos. Benny talvez ainda não seja um Pequeno Polegar que semeia suas pedrinhas para retroceder em seu caminho, mas uma pequena trilha parece já se desenhar para ele. Numa tarde ensolarada, eu o encontrei encostado a uma parede fazendo voar um minúsculo papel de sua mão, enquanto que na outra, punho cerrado, ele guardava preciosamente algumas pedrinhas. Quando largava esse papelzinho frágil ele emitia pequenos mamedidoudé para acompanhar a queda dançante do objeto em direção ao solo. No fim, ele disparava a rir. Então eu lhe disse docemente : « Talvez quando os mamedidoudés se vão, voando longe de sua boca, isso o faça sentir muito estranho em seu corpo ? » Ele me olhou. Mais tarde eu o vi brincar de fora com o vento. Ele largou valentemente seu papel aos caprichos do vento que soprava levando-o. Qual foi minha surpresa ao escutá-lo dizer : « Voa ! »
Benny nos ensina que uma instituição nasce verdadeiramente nas escolhas do sujeito acolhido. Ela pode assim tornar-se um lugar simbólico onde o sujeito tem a chance – com seus significantes e seu parceiro – de produzir uma inscrição inédita no laço social... na condição de consentir ao isso rola!
1. Lacan J., « Conferência em Genebra sobre o sintoma », Bloc-notes de la psychanalyse, n°5, 1975.
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