30.5.12

▪ CLÍNICA ▪As lições de Lisa


▪ CLÍNICA ▪
 Disponível em Lacan Cotidiano 206

As lições de Lisa
por Nelly Pichaud


Convidada a trabalhar com a equipe do SESSAD, nós conhecemos Lisa através da «hospitalidade atenciosa » que Nelly Pichaud e seus colegas oferecem a ela. Lisa nos ensinou como ela pode « se aparelhar » do corpo de Nelly pelo canal do olhar de maneira a fazer passar na língua comum a perplexidade em que ela se encontra quanto a seu corpo. Esta é uma das lições de Lisa.  Daniel Roy

L
isa, 15 anos, é escolarizada em ULIS e é acompanhada pelo SESSAD onde intervenho como psicomotricista há dois anos. Ela tem reais competências escolares, mas é atrapalhada com a questão do sentido. Diante do que ela nos mostra de suas dificuldades, nós pensamos que seria interessante de propor a ela um trabalho de psicomotricidade. Além disso, ela encontra também toda semana minha colega educadora, seguindo diversas modalidades: sozinha, com alunos de sua classe na cantina ou com outras crianças do SESSAD.

Dois corpos estranhos em presença
Na ocasião de nosso primeiro encontro, Lisa aparece angustiada. Ela está muito dura, suas duas mãos agarradas uma a outra, o olhar fixo na frente dela. Ela fica imóvel, silenciosa, sem mover-se ou então movendo-se na frente e atrás. Ela olha o seu relógio em diferentes momentos, é a sua bóia. No entanto eu tenho vontade de apostar que um encontro pode se reproduzir aqui neste momento, mas como encarar o silêncio e a angústia de Lisa?
Eu lhe proponho de descobrir a sala, os objetos que se encontram ali para ver o que poderia lhe interessar, estando eu mesma com a idéia que poderíamos talvez fazer alguma coisa juntas.

Primeiros deslocamentos
Lisa começa a se deslocar. Eu me coloco também na sala para sustentar sua exploração do espaço. Ela parece em uma situação angustiante para ela. Eu a vejo esboçar um gesto, pegar um objeto, colocá-lo de volta. Eu penso então no vazio que poderia habitá-la, mas também no risco de pegar as coisas em mão e de ser eu mesma talvez « demais ». Não é fácil de encontrar a atitude certa. Em todo caso, eu tomo o partido de não preencher demais o silêncio que se instala com freqüência. Eu percebo que, durante estes momentos, Lisa se alonga, boceja. 

O enigma no real
Lisa me surpreende quando de repente ela me pergunta: «  O que é isto ai, atrás? » Ela me mostra em muitas outras vezes que o objeto que ela quer não é o mais próximo, o primeiro que vem, mas que ela pode pegar, eventualmente, um objeto menos acessível. Parece-me então ser ai uma escolha que parte dela.

Alternância
Lisa manifesta muito poucos afetos. Às vezes, minhas palavras reaparecem na sua boca, em ecolalias e me levando a me fazer mais silêncio, pois eu faço a hipótese que o «muito de outro » está aí… Se introduzo muito de « fazer semblante », ela congela, se angustia. Às vezes aparece um sorrizinho no seu rosto, mas não é mais do que a máscara do sorriso sem o afeto que vai junto. O jogo Puissance 4 deixa ela sorridente e relaxada. Sua postura se modifica neste momento radicalmente e Lisa se atira no chão, de maneira quase não pudica. 

Pequenos grãos de areia
Nos momentos de nossos deslocamentos para chegarmos na sala de psicomotricidade, eu observo sua maneira muito particular de vaguear: ela anda muito rapidamente, muito perto de mim. Ela não toca em nenhuma porta para abri-las- parecendo esperar que eu o faça-, nem para fechá-las, nem para segurá-las, nem para impedir que se fechem na minha frente quando ando atrás dela.
Isto me deixa perplexa. Parece que ela está sozinha em um especo sem limite, sem borda, não fechado e ao mesmo tempo, é como se ela esperava tudo de mim. Eu tomo então uma posição de várias maneiras: eu recuso de abrir as portas para ela, eu fecho a porta da sala atrás de nós quando nós entramos e eu reclamo quando ela fecha a porta na minha cara. Ela sorri e consente a fazer de outra forma, uma sessão após a outra.  

Pontos de apoio: o « fazer igual»
Na sala, Lisa vem freqüentemente se instalar perto de mim, sentada no mesmo tapete. Esta proximidade parece que deixá-la segura e Lisa relaxa corporalmente. Ela se alonga, deixa cair a sua cabeça no meu ombro. A distância parece menor. Ela experimenta com prazer brincadeiras de carregá-la. Eu proponho também a ela jogos necessitando que ela mobilize a sua força. Mas tudo se complica quando eu proponho de construirmos cada uma de nós uma cabana, introduzindo por ai a questão de um espaço para cada uma: tendo me perdido de vista, Lisa não agüenta não vir ver na minha casa. Ela indica que ela quer continuar me ver para  « fazer igual»  e que ela quer ver pela janela e não pela porta como eu indico a ela. Mais eu protesto, mais ela jubila e continua. Isto me faz lembrar o que me contou a sua mamãe, descrevendo o que a deixa às vezes insuportável aos olhos dos outros que ela imita ou de seus irmãos e irmãs quando ela « toma conta » do quarto deles. Ela transborda então uma excitação que é difícil de parar. Assim que proponho de vir na sua cabana, ela consente, mas me apressa de voltar à minha casa.  Eu faço então a hipótese que trata-se talvez para ela, não de estar com o perto de mim, mas de me ver fazendo para poder fazer ela também.
Como compreender o que é insuportável para ela quando o outro não está mais sob seu olhar e como ajudá-la a imitar a sua excitação?
Eu não concedo necessariamente a esta necessidade dela de ver: ainda que estamos face a face na mesa de trabalho, eu interdito de olhar o que acabo de escrever na minha folha e indico que ela tem um livro para ela. De retorno, sem dúvida alguma, ela me diz firmemente não, quando eu proponho que me diga o que leu.

O acessório é essencial !
Ela conhece poucas coisas sobre si mesmo: quanto calça, seu tamanho. Ela diz:   « mamãe sabe ». Na ocasião de uma entrevista com sua mãe, esta se diz preocupada com a imagem que a sua filha aparenta, mas constata que os objetos de  « menina », comprados por ela, não são muito investidos por Lisa. No entanto, Lisa me faz, quase que em toda sessão, perceber que ela esqueceu o seu relógio, seus óculos ou então enumera a lista de seus objetos- colar, brincos, bolsa- mas sem nenhum afeto aparente.
Eu fico perplexa, quando em uma sessão, Lisa chama minha atenção: « Olha, eu tenho um colar de bombom!» Este objeto, que ela usa e que ela pode ao mesmo tempo comer parece bem encontrado para ligar os dons de sua mãe e o objeto oral tão delicado por ela. Eu repenso no que sua mãe tinha me contado sobre a sua relação com a comida, dizendo que Lisa comia se sujando, engolindo tudo, como  se ela estivesse sozinha com sua comida.

Ter um corpo
Percebo que ela pode, no entanto colocar-se a evocar sentimentos ou sensações que são próprias a ela à partir de meus enunciados, lembranças, sensações, afetos quando eu experimento ao seu lado, quando eu falo de mim mesma ou quando eu falo com ela mas sem pedir nada.
Eu a ouço assim falar de uma lembrança e de afetos que são religados- um dia, uma vez que ela estava em um balanço, os alunos de sua classe lhe disseram que ela era branquela e ela não gostou nada disso -, de um pesadelo- sanduíches de peixe horríveis, que ela come mesmo assim e cospe depois -, de seus sentimentos corporais, agradáveis ou desagradáveis.
Ela me questiona sobre o que é uma emoção: «Chorar, é uma emoção? »
Ela me interroga sobre a expressão «enjoo»  que acabo de utilizar.
Ela faz ai também prova de uma certa curiosidade quando ela se balança na rede, que a balanço e ela pede: « Tenta forte para ver» e me diz o que ela prefere. Depois, subitamente, ela parece como que desapegada de mim, se suas sensações. Tudo para e novamente o silêncio se instala.
Parece que é necessário ter condições para que Lisa possa ter um corpo e senti-lo. E em alguns momentos, isso não é nem um pouco possível para ela.

As condições de Lisa
Em todo caso, ela parece ter absolutamente necessidade de passar por um outro que faça ou que diga, sobre o qual se apoiar para tornar-se um pouco viva ela mesma. É a nós de achar as modalidades para sustentá-la nesta empreitada sem consentir a uma colega no qual ela desaparecerá ela mesma.
Nas últimas sessões, Lisa se mostra mais determinada e se endereça a mim. Eu guardei alguns enunciados emergidos de momentos de silêncio: « Não agüento mais bocejar», «Eu quero que tu venhas jogar comigo», «Eu adoro este jogo: adivinhar quem a gente toca», «Diga-me algo engraçado».
Esta tomada de palavra contrasta com as ecolalias e os «não sei» habituais.
Pouco a pouco, e com certas condições, nós nos tornamos interlocutores para a Lisa, que eu espero que continuará a poder se servir de nós...

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