31.5.12

▪ CRÔNICA ▪ «A melhor imagem que se pode dar do inconsciente é Baltimore ao amanhecer.» Jacques Lacan. 1966


Disponível em Lacan Cotidiano 209
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«A melhor imagem que se pode dar do inconsciente é Baltimore ao amanhecer.» Jacques Lacan. 1966

DSM FOLLIES ATRAVÉS DA IMPRENSA U.S.

Pierre-Gilles Guéguen

O best-seller do mês de junho de 2013 não será um prêmio literário, mas o DSM na sua versão 5 (100 milhões de $ de benefícios para o  DSM 4).
Ele suscita, do outro lado do Atlântico como também na Europa, críticas cada vez mais severas, não apenas da parte dos oponentes ao método, mas também daqueles que o censuram por não ser suficientemente fiel a seus objetivos de suposto rigor científico e de « evidência based medicina ».Instrumento fundamental de regulação da psiqiatria pelas burocracias sanitárias, o DSM já destruiu amplamente a disciplina que ele pretendia servir e parece que ainda não acabou. Em breve, de acordo com a imprensa americana, dependeremos todos da psiquiatria, isso quer dizer que ninguém mais estará a salvo de ter que tomar psicotrópicos. É o avesso da versão de Lacan quando ele assegura que « todo mundo é louco, todo mundo delira ».
Um dos artigos recentes mais pertinentes e mais engraçados data de 14 de maio, no Huffington Post. É um artigo do Professor Allen Frances (Duke University) que há muito tempo, após ter feito parte da equipe de construção do DSM, alerta contra os desvios que, segundo ele, distanciam as versões sucessivas do projeto inicial.
Ele se recusa, por exemplo, a endossar a idéia lançada pelos autores do Manual segundo a qual a publicação seria uma sequência de hipóteses científicas a ser testada e modificada continuamente. « Nossos pacientes não são ratos de laboratório! » declara.

Ele critica, igualmente, as diversas hipóteses puramente especulativas que o DSM contém, das quais muitas não serão jamais testadas e não respondem, aliás, à prática clínica, pois se originam de tratamentos estatísticos complexos demais. Em seguida, ele se levanta contra os experts (162 atualmente) que supostamente preencheriam o que o puro tratamento estatístico não é suficiente para tratar. Os « experts », segundo ele, vivem numa torre de marfim e têm, cada um, seus caprichos.
Elel imputa a crítica, geralmente feita à nova versão do DSM, de tender a medicalizar a normalidade, à imperícia de seus autores que, por exemplo, apoiam-se, em algumas ocasiões, em trabalhos ainda não publicados ou ainda em estágio de hipótese.

New York Times publica também vários artigos sobre o tema. Eles revelam inquietudes e críticas em todos os sentidos, como se os americanos começassem a perceber o desperdício devido a esse projeto megalomaníaco e as ameaças que ele representa para a saúde pública.
Benedict Carey, jornalista do New York Times, sinaliza, em artigo que data de 8 de maio último, que o painel de experts remunerados pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) renunciou a dois itens: «a síndrome de psicose atenuada» e o  «transtorno misto ansio-depressivo». O primeiro porque podia dar lugar a tratamentos arriscados com psicotrópicos de crianças e de adolescentes; o segundo porque « psiquiatrizaria » mais ou menos toda a população dos EUA.
Ele observa também que a APA não recuou diante de uma nova definição mais restritiva do autismo, entretanto muito criticada. O congresso da APA na Filadélfia que aconteceu há duas semanas, deu lugar a debates muito animados. Notadamente porque o DSM 5 tende a eliminar os «Asperger» da categoria do autismo. O debate segue desde janeiro último.
O painel dos experts tenta também estabelecer melhor a distinção entre a tristeza normal (notadamente o luto) e o episódio depressivo, mas como era de se esperar, eles se emaranham nas diferenças não objetificáveis pela estatística.

É também sobre a questão do autismo que escreve o cronista do NYT Gary Greenberg (14 de maio). O ângulo das críticas que ele desenvolve é mais sociológico. Ele observa que a restrição dos diagnósticos de autismo terá como consequência uma diminuição da absorção desses casos pelos serviços sociais e sobretudo pelas seguradoras, que recusarão a afiançar os riscos. Ele observa com justeza que o DSM se tornou um negócio que se estabelece na solidariedade entre a medicina e a indústria farmacêutica. Percebe-se mal por que ele acredita ter que, na passagem, arranhar a psicanálise, a não ser porque ele aposta nas neurociências e nos marcadores genéticos.
Citemos ainda a data de 14 de maio no diário novaiorquino, um artigo consagrado à Adicção por Ian Urbina. Trata-se, dessa vez, da extensão projetada da categoria do transtorno adictivo que teria enormes consequências para as seguradoras e as despesas gerais de saúde pública (Medicare et Medicaid), uma questão muito sensível para o contribuinte e o cidadão americano. Pela primeira vez, de fato, a adicção ao jogo será levada em conta, assim como um item, « adicções não específicas », e Jacques-Alain Miller tem realmente razão de falr de adicção generalizada.
Entre os psiquiatras que consideram que o problema mais grave concerne às doenças psiquiátricas não tratadas e aqueles que militam a favor de uma restrição das categorias, a batalha é rude.
A respeito do autismo, as informações são contraditórias. Por um lado o diagnóstico de autismo já teria aumentado consideravelmente (cf. A crônica de Eric Laurent: « Autismo : Epidemia ou estado ordinário do sujeito » LQ 194) ; por outro lado, o DSM 5 recoloca em questão a qualificação do transtorno e excluiria grande parte dos que são, hoje, diagnosticados autistas. Um artigo de Casey Schwartz, colaboradora do Newsweek e do Daily Beast (20/01 2012) presta contas das confusões que concernem à retomada da questão da nomenclatura e o funcionamento enviezado dos pesquisadores, divididos entre o segredo e o sensacionalismo.
Como sinaliza a jornalista: «Perder o diagnóstico tem consequências desastrosas para as famílias que dependem da ajuda dos Estados... desde as escolas especializadas até o suporte das terapias cognitivas e os auxílios de longo prazo (médicos e para a hospedagem).»
A emoção é grande em torno do objeto DSM, e assim permanecerá pelo menos até dezembro de 2012, data a partir da qual as revisões não serão mais admitidas.
A grande batalha classificatória e de gestão se desdobra, mas onde está então a subjetividade dos pacientes ?

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