Disponível em Lacan Cotidiano 207
O DSM estaria cantando seu canto do cisne?
por Philippe La Sagna
Allen Frances, eminente psiquiatra, antigo responsável pelo centro médico da Duke University, repensando as virtudes do DSM após ter participado da organização do DSM-III e do DSM-IV, faz um diagnóstico muito negativo do DSM-V nos seus recentes artigos da imprensa.
Ele anuncia nas suas rubricas do mês de maio de 2012, algumas “Wonderful News” a esse respeito. Assim,algumas novas afecções implicando tratamentos serão abandonadas pelos redatores do DSM-V: “O risco de psicose” na criança, as “mixed anxiety depression”, por exemplo, mas também distúrbios cognitivos leves da terceira idade, o que faz com que nós não possamos jamais dizer depois dos 60 anos, que ele escreveu “Do físico ao mental” (Feigl). Mas, é tudo, ao mesmo tempo, os critérios, as definições e os avaliadores do DSM mesmo que se encontram hoje fortemente questionados, certo, pode-se doravante ficar tristes sem necessitar um tratamento, se perdemos um próximo. Certo, o déficit de atenção tão epidêmico nos escolares dos Estados Unidos vai ver sua epidemia regredir, ao adotar critérios de diagnóstico menos elásticos. Como o abuso pontual de substâncias aditivas (binged drinking), não serão mais forçosamente etiquetados como adição, da mesma forma que as paixões humanas, sexo, rock and roll, obesidade e internet, até mesmo amor (sic), não serão mais doenças mentais. A floresta luxuriante dos diagnósticos de personalidade será reduzida, também ela, ninguém sabendo de resto como utilizá-la, Bergeret entre nós não fez descendentes.
O autor acrescenta, num outro artigo do Huffington post de maio de 2012, que os diagnósticos DSM frequentemente aplicados de forma perigosa para o paciente, são os de esquizofrenia, bipolaridade, distúrbio esquizo-afetivo, distúrbio da atenção com hiperatividade e... autismo. Pode-se notar que eles terminam sempre em tratamentos medicamentosos pesados, às vezes produtores de doenças físicas (obesidade, diabete, adição, etc.), até mesmo cuidados autoritários. Confundem-se, frequentemente, medicamentos e dopantes, nos casos de déficit de atenção.
As causas mais frequentes desses erros ou excesso de diagnósticos são a pressa do clínico, mas também a existência de medicamentos, de assistência e de programas educativos para as crianças, por exemplo, sem contar o stress do médico, das famílias e da internet. Diagnosticar de menos é, então, frequentemente, menos grave do que diagnosticar de mais... O diagnóstico tem vida própria. Ele toca o paciente, sua família, o cônjuge, os pais e os filhos, ele atravessa gerações.
E, entretanto, os testes de verificação para o DSM não são bons! No NYT, de 11/05/2012, Allen Frances não vai por muitos caminhos: o DSM-V “promete ser um desastre” mesmo depois das “modificações”. Ele acrescenta que os novos diagnósticos podem ser tão perigosos quanto as new drugs! Mas, atrás de tudo isso, há também o cuidado das organizações, as mais diversas, de arrancar da APA, seu triste monopólio sobre o DSM. Procura-se, então, um substituto para a APA, para gerir o monstro. O NIMH, o Instituto de Medicina, a OMS são lembrados. Permanece-se, entretanto, num enquadre muito norte-americano, nada é dito do monopólio de uma cultura que tem seus méritos de seus mal-estares sobre a saúde mental. Nada sobre o “Made in America”, título da célebre obra de Robert Whitaker, cujo subtítulo não adquiriu nenhuma ruga: “Bad science, bad medicine, and the enduring mistreatment of the mental ill”(“Má ciência, medicina má e os tratamentos inadequados da doença mental”) . No seu último livro Anatomy of an epidemic, esse autor pôde escrever sobre a atualidade da psiquiatria e das epidemias que ela suscita: “This epidemic has now struck our nation’s children, too. The number of children who receive a federal payment because of a severe mental illness rose from 16,200 in 1987 to 561,569 in 2007, a 35-fold increase” (“Esta epidemia tem afetado agora, crianças de nosso país, também. O número de crianças que recebem pagamento do governo por causa de doença mental grave subiu de 16.200 em 1987 para 561.569 em 2007, um aumento de 35 vezes”).O fato de desejar a participação de todos os atores da saúde na redação do DSM, estando na frente, as associações de pacientes, parece democrática, mas Allen Frances não vê aí também o risco do pior... Não são de fato somente os interesses financeiros dos industriais dos medicamentos, que são os mais devastadores, mas a passividade dos dirigentes, o gosto do secreto, de fato de um mínimo mundo onde a gente se alinha e se cala! O diagnóstico é, então, uma coisa por demais séria para ser confiada a psiquiatras, segundo Allen Frances. Sem dúvida, mas seria necessário, então, mudar de lobby? Em fevereiro de 2010, por ocasião de uma entrevista (PBS Newhour), o Dr. Frances podia dizer que o DSM-IV tinha produzido três falsas epidemias: uma para os distúrbios autísticos, a outra para os distúrbios bipolares na infância e a terceira para os déficits de atenção na criança. O DSM é então nocivo, sobretudo para as crianças! Seu interlocutor, na época, Alan Shatzberg, Presidente da Associação Psicanalítica Americana, podia prometer que o DSM-IV reduziria o número de pessoas “diagnosticadas”.
Mas, infelizmente, ninguém destaca o verdadeiro problema: a foraclusão efetiva de toda psicopatologia consequente. Não há ali, nada além do preço pago do ateorismo combinado ao assassinato concertado da clínica clássica, que estava mais perto de Freud e da fenomenologia. Resta, então, inventar uma psiquiatria do século XXI e, sem dúvida, um novo psiquiatra que não será mais inimigo da psicanálise. Talvez possa ele partir dessa frase de Lacan: “O ponto de vivo, o ponto de emergência de qualquer coisa na qual todos aqui acreditamos mais ou menos fazer parte, o ser falante, por assim dizer, é essa relação perturbada em seu próprio corpo que se chama gozo.” (O seminário livro XIX ou pior... pag. 43).
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