▪ UM MINUTO A MAIS:
UMA PÉROLA CLÍNICA ▪
Disponível em Lacan Cotidiano 196
«De Miel à Vana: acolher o dizer dos pequeninos» por Joëlle Hallet
Em todos os casos, o analista está do lado do sujeito e é para ele uma tarefa levar o sujeito, a criança, a jogar sua partida com as cartas que lhe foram distribuídas.
Jacques-Alain Miller
Eu encontrei Kevin pouco depois de seu nascimento: ele tinha sido alojado, por ordem judiciária, no serviço de pediatria primeiro, em seguida na creche. Desde as primeiras semanas, descrito pelos atendentes institucionais como « inconsolável » (da perda de sua mãe, disseram) e recusando seu olhar ao adulto que o nutria, ele não parava de chorar a não ser para dormir, esgotado, depois de uma mamadeira dada de modo anônimo por quem tivesse tempo para alimentá-lo (penúria temporária de enfermeiras na pediatria). Ele esmaga seu choro sobre a mamadeira que o leva ao sono, pior, ele se torna amorfo, ausente, permanecendo acordado sem choros e nem reações – quando alguém fala com ele, ele parece insensível e fixa a raiz dos cabelos do adulto. De inconsolável, torna-se ele « talvez autista?»
Minhas primeiras intervenções são para que ao menos uma pessoa invista nessa criança e me fale dela, com nuances, quando eu os visitar. Quero me certificar de que seu choro seja constituído como apelo e que a resposta, em palavras e não apenas em cuidados, lhe seja dada. Amarrando o diálogo com ele e com o adulto, eu encarno para eles esta ao-menos-uma : trata-se de encarnar o desejo do psicanalista – aqui, sob a forma do primeiro objeto indispensável à constituição do sujeito, objeto primordial que nomeia o desejo do Outro da palavra e da linguagem.
Com nove meses, agora acolhido na Creche onde ele arrulha, Kevin pode mudar a ausência pelo apelo. Por seus gestos, seus olhares e seu balbuciar – cuja entonação (choros, protestos, alegria,…) variam de acordo com a conversa e onde é importante reconhecer a emergência subjetiva – ele participa do « diálogo a três» (onde eu construo os lugares de cada um na palavra) que eu estou amarrando com ele e sua enfermeira da creche. Ele brinca de passar dos joelhos dela para os meus, e volta, estendendo os braços para uma e depois para a outra, e pega pequenos objetos que eu lhe estendo, para lançá-los alegremente antes que eu os apanhe para ele e os apresente de novo.
Mas ele está às vésperas de uma nova separação. Muriel nos anuncia que vai sair em licença maternidade, Ivana irá substituí-la com Kevin. Na semana seguinte, Kevin dá o tom, chora desde o início da sessão: eu digo então à Ivana (que irá acompanhá-lo até sua adoção, no próximo ano) a que ponto a separação com Muriel é penosa para Kevin que responde : Miel, ele articula com força, olhando para mim; depois ele se volta para Ivana e lhe diz, estendendo os braços para ela : Vana. Ele que havia trocado a ausência pelo apelo, troca agora a ausência pela simbolização: é sua versão do fort-da –Miel nomeia seu objeto perdido, Vana nomeia seu objeto presente. Suceder-se-ão caca e papa, significantes que Kevin extrai do discurso confuso de sua mãe biológica, que o visita algumas vezes, antes de ausentar-se definitivamente.
Miel, Vana, caca, papa… Lalangue nasce no balbucio desta criança que está « jogado sua partida » a partir da oferta que lhe foi feita.
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