6.6.12

Lembram do filme de David Cronenberg, Dead Ringers (1988)?


▪ CINEMA ▪
The DEAD RINGERS of Harley Street
Natalie Wülfing
***
 Disponível em Lacan Cotidiano 213
Vocês lembram
do filme de David Cronenberg, Dead Ringers (1988)?

Em um artigo do jornal Britânico, the Independent, somos apresentados a uma moderna versão do filme de Cronenberg, Dead Ringers (A ‘dead ringer’ é uma dupla)na forma de dois irmãos gêmeos que realizam ampliações no pênis.
O filme de Cronenberg retrata a vida de dois irmãos gêmeos e seu mergulho na loucura, baseado na história real de Stewart e Marcus Cyril. No filme, Jeremy Irons interpreta o duplo papel dos gêmeos idênticos, Elliot e Beverly Mantle, que crescem para serem ‘estrelas’ ginecologistas, ambos brilhantes e talentosos em diferentes domínios desta profissão que, com o tempo, lentamente, tornam-se delirantes. A alavanca final é uma relação sexual com uma mulher (com ambos) que perturba o suporte imaginário que um irmão representa para o outro. Um irmão pretende continuar a ser o cientista/cirurgião pioneiro que desenvolve novas ferramentas para exames internos, onde a “causa” da infertilidade corresponde a órgãos deformados. Ao estilo  de Cronenberg, estes instrumentos (feitos por um artesão de metal) tornam-se cada vez mais estranhos e seu uso experimental na clientela feminina na prática conjunta dos irmãos torna-se cada vez mais alarmante, até que danos internos levam um dos irmãos a dizer a maravilhosa regra, “São as mulheres que estão erradas”, referindo-se ao fato de que as ferramentas de mau encaixe não podem ser culpadas pelas operações fracassadas, mas são os corpos das mulheres que não se encaixam nas ferramentas.
Se no momento desse filme de engano da ciência, geralmente dependia-se da busca para “desmistificar” e mapear a sexualidade feminina, o equivalente hipermoderno caminhou para uma interpretação mais banal do que está em jogo na sexualidade humana, simplesmente com base em ideias que brotam do mercado (qual desempenho importa) e as imagens de pornografia (que tamanho importa) que o artigo cita como prevalente entre as razões para a demanda do homem para aumentar cirurgicamente, seu pênis.
No artigo do Independent, somos apresentados a Maurizio e Roberto Viel, com esta frase de abertura:
“Uma pintura ampla recobre a parede acima de uma lareira de mármore sobre a qual repousa um crânio humano. Ele representa Maurizio e Roberto Viel, que são cirurgiões plásticos gêmeos, e uma mulher nua cujos seios eles aumentaram. A imponente obra chamada Criação saúda os pacientes na clínica dos irmãos, na Harley Street, em Londres. Cada vez mais esses pacientes são homens e, cada vez mais, eles vêm em busca de um pênis maior”.
O artigo não se detém nesse pequeno detalhe bíblico, mas é acompanhado por uma foto desta pintura com um dos cirurgiões posando em frente a ela. ‘Criação’ mostra os dois cirurgiões, um de cada lado de uma mulher nua…
O artigo continua para nos dizer que “[Penises] resistem a quase todas as tentativas de torná-los permanentemente maiores. Roberto Viel diz que tem que superar esses desafios e realiza cerca de 200 cirurgias plásticas penianas por ano”.
‘Superar’ os limites que o real coloca é, certamente, um elemento muito importante no que diz respeito à relação hipermoderna com o sexo, atordoante, por suas amarras do passado, onde isto representaria o ponto no qual, a própria questão tem sua origem. Aqui, é apenas uma questão de reescrita ou de escrever por extenso a questão do sexo, da mesma maneira que você escreve por extenso, um personagem em uma série de TV de longa duração. Às vezes, isto se chama “matar um personagem”. “Aqui, o personagem da questão sexual foi morto”.
Nenhum dos 230 cirurgiões representados pela British Association of Aesthetic Plastic Surgeons (Baaps), que responde por cerca de 40% da atividade, oferece a cirurgia plástica do pênis. Os Viels não são membros”.
Eles não são membros porque, como no filme de Cronenberg, eles são chamados os ‘Mavericks’ no campo, desafiando leis aceitas.
Viel diz que a disponibilidade limitada da cirurgia do pênis não se deve ao risco, mas porque “não há treinamento formal” para ela. Ele acrescenta: “Eu tenho desenvolvido e aprimorado a técnica, usando técnicas cirúrgicas de diferentes cirurgias, para montar um procedimento que eu acho que é confiável...”.
Eles são pioneiros, inventores, como tantos cientistas que vão além das “resistências” que o real se lhes apresenta.
Os cirurgiões de Londres têm, portanto, muito mais em comum com os Dead Ringers de Cronenberg do que apenas o fato de serem gêmeos. Como suas contrapartes ficcionais, eles estão engajados na ciência médica que converge sobre o corpo sexual, tentando ‘superar’ o real da não-relação, com as consequências subjetivas inevitáveiseles possuem uma perturbação inevitável a  nível da linguagem, com um impacto ao nível do duplo imaginário:
Em 1991, Roberto deu a Maurizio, uma plástica no nariz, o que fez os gêmeos parecerem mais ainda. Dez anos depois, Roberto injetou gordura da barriga de Maurizio na face do irmão, com resultados similares”.
Com a questão sexual eliminada, apenas intervenções restam no real e este real, apesar de alterado desde os anos 70 e 80, ainda é difícil manter sob controle, meramente operando-o. 

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