4.6.12

▪ Os Jogos do Lacan Club ▪


 Disponível em Lacan Cotidiano 203

por Kristell Jeannot
***
que posso saber ?
                           O que devo fazer ?
                   O que me é permitido esperar ?
                           O que é o homem ?

No final dos anos 73, Jacques-Alain Miller propõe um exercício de acadêmico ao Doutor Lacan: responder três das quatro questões que resumem, para Kant, aquilo que ele chama de “interesse de nossa razão”, O que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? A tarefa não é simples: responder oralmente e na frente das câmeras da O.R.T.F, perguntas às quais, o eminente filósofo consagrou sua vida. Mas, o Doutor Lacan encara o desafio com seu estilo, sua língua, pontos fortes do ensino que ele elaborou desde os anos 50, para definir aquilo que podemos dizer sobre o Homem a partir da psicanálise. Sua intervenção aparecerána forma de um artigo estabelecido por J.-A. Miller, intitulado  Televisão*.

Como Jacques Lacan se saiu ?

● Questão n°1 : O que posso saber ?
O doutor Lacan considera que seu discurso – o discurso psicanalítico que ele elabora ao longo dos seus Seminários – “não responde à questão”, ele não descarta a possibilidade de que os outros possam recebê-la de outro modo, mas por sua vez, o fato mesmo de que ele não possa respondê-la nos termos da formulação kantiana, dependente do campo da filosofia, funda a legitimidade e a especificidade do seu discurso psicanalítico: “Meu discurso não admite a questão do que se pode saber, já que ele o supõe como sujeito do inconsciente.” Após ter marcado essas distâncias, sublinhando aincongruência desta questão no campo da psicanálise, ele pronuncia sua resposta : “O que posso saber ? Resposta : de qualquer modo, nada que não tenha a estrutura da linguagem, de onde resulta-se que até onde eu for neste limite, é uma questão de lógica.
Por quais razões o doutor Lacan assinala reticências para responder diretamente à esta pergunta ? Porque, de um lado, cabe-lhe lembrar que desde a « subversão do conhecimento*», isto é, a descoberta do inconsciente, não se pode mais perguntar sobre o saber nos mesmos termos da época de Kant, aliás, ele deseja distinguir o real da ciência e o real da psicanálise. O real da ciência permanece prisioneiro do aparelho linguageiro, do simbólico. O real, tal qual ele é empregado, atualizado por Lacan, não pode ser alcançado justamente a partir da linguagem. Seu objetivo é de «sair o real-da-estrutura» (p.59). Daí, os matemas que ele elabora para localizá-lo, logicamente, e se orientar com ele.
Desde então, ele reformula a questão da descoberta do inconsciente : “O que disso pode-se dizer, do saber que ex-siste para nós no inconsciente, mas que somente um discurso articula, o que se pode dizer desse real que vem à nós por esse discurso?”, em outros termos, o que se pode dizer do saber que ex-siste à consciência do sujeito? E o que se pode dizer deste saber que toca no real.
Primeiramente, para resumir, não podemos compreender o Homem, sem levar em conta a existência do inconsciente; segundo, não podemos compreender o Homem, sem levar em consideração o conceito de gozo, tal qual Lacan o definiu.
Em sua intervenção, o doutor Lacan escolhe começar pelas relações entre os homens e as mulheres, para abordar a condição do Homem. O gozo isola os seres falantes, daí sua fórmula “Existe Um”, no sentido em que existe o Um sozinho, mas não existe a relação sexual, isto é, não existe o Um a dois. Esta fórmula deve ser entendida no nível lógico, relevando de um fato do discurso. O coito existe, mas no nível de uma compreensão psicanalítica, o homem e a mulher, que só o são se inscritos em uma relação com a ordem do significante, não se encontram nos seus respectivos gozos. Do lado dos homens, (cf. as fórmulas da sexuação, o Seminário, Livro XX), o sujeito goza não do corpo da mulher, mas do órgão; do lado mulher, o sujeito goza, em um além do gozo fálico, neste lugar que toca o real, seu gozo não se inscreve todo no registro do significante, e por isso é indizível, pois se situa para além do Outro da linguagem, e cujos sujeitos místicos testemunham.
Nesta base de ausência da relação sexual, o doutor Lacan estabelece duas possibilidades de falha/fracasso no encontro entre um homem e uma mulher.
De um lado, a relação sexual fracassada, do lado Homem, no sentido de que “se o Homem quer A mulher, ele só a alcança se fracassando no campo da perversão” (p.60), [S٠(a)], em outros termos, ele somente encontra seu parceiro que é o Outro, no sentido de que ele o apreende pela pontinha da causa do seu desejo, (a). De outro lado, “uma mulher somente encontra o Homem na psicose. Formulemos este axioma, não que o Homem não exista, caso de A mulher, mas que uma mulher se interdita, não do que seja o Outro, mas de que “não existe o Outro do Outro” (p.63), o que significa que uma mulher somente encontra o homem - enquanto somente existir o Outro do Outro na situação em que, por exemplo, ela descompensaria na versão psicótica e em que ela teria que se haver com um Outro, que não relevaria da estrutura do Outro divino indizível e inefável dos místicos, mas de um Outro do Outro consistente de um delírio. Uma outra via, do lado mulher, que não exclui a primeira : uma mulher pode se emprestar à “perversão que eu considero àquela do Homem (…) para que o fantasma do Homem nela, encontre a sua hora da verdade.”, isto é se inscrevendo no matema do desejo do Homem [ S ٠ (a)], procurando se fazer a causa do seu desejo.

● Questão 2 : O que devo fazer ?
O doutor Lacan responde, dando uma resposta curta: «aplicar a ética do Bem-dizer», ato possível somente se alojado o dizer no discurso da psicanálise – já que ele assujeita o sujeito no qual se prescreve, para reconhecer o gozo, por trás de sua queixa, e notadamente as coordenadas subjetivas que precedem a realização de um ato, mesmo aquele que aparece em uma primeira abordagem desinteressado e altruísta…

● Questão 3 : O que me é permitido esperar ?
Após ter retornado maliciosamente a mensagem ao seu interlocutor, o doutor Lacan lembra que a esperança, e então, o desejo que a anima, não é sem objeto, situado, não à frente, no horizonte do sujeito, mas atrás do sujeito, por isso que ele é um objeto, místico, perdido, que impulsiona, « pulsiona » o sujeito à desejar uma esperança X, sem conhecer as razões e, que se torna somente substituto do objeto (a), tendo como consequências possíveis para alguns, ressentir insatisfação ou para outros, tornarem-se colecionadores obcecados.
Por esta razão, o doutor Lacan reformula a questão nesses termos : « de onde você espera ? » (p.67). O psicanalista abre uma perspectiva geral ao final de um trabalho psicanalítico: uma psicanálise, serve para “elucidar o inconsciente do qual você é o sujeito” (p.67) e, assim, compreender as molas subjetivas que precedem nossos desejos e nossas esperanças. 

***

As respostas do Doutor Lacan não são exaustivas e chamam a desenvolvimentos consequentes, ainda mais que a quarta questão kantiana não fora desenvolvida pelo discurso psicanalítico em TelevisãO que é o homem ?
Eis, então, o desafio que o Lacan Club  propõe para vocês: ponto forte do seu ensino, nós propomos refletir sobre essas quatro questões kantianas e propor suas respostas, a partir das maneiras singulares de compreendê-las. 
Vocês poderão obtê-las, de uma maneira geral: O que posso saber, fazer e esperar ? O que é o homem? A partir dos estudos do ensino psicanalítico, isto relevaria, aliás, da experiência dos Analistas da Escola, ou então, inscrever estas questões dentro do campo que vocês exercem: o do autismo, por exemplo: o que posso saber? Fazer e esperar? em uma prática com sujeitos autistas?
Estamos no dia 8 de maio; daremos, até o dia 8 de junho, para lançar o desafio e colocá-los ao trabalho. As melhores respostas serão publicadas no decorrer do mês de junho…

Jacques Lacan, Télévision, Seuil, France, 1974.
* Jacques Lacan, Séminaire, Livre XX, Points, p.104.        

Nenhum comentário:

Postar um comentário