30.4.12

Clínica do Autismo - série AUTISMO


Desde o dia 16 de fevereiro foi colocada em linha A PETIÇÃO INTERNACIONAL PARA A ABORDAGEM CLÍNICA DO AUTISMO. Iniciativa do Instituto psicanalítico da criança - Universidade Popular Jacques-Lacan. Para assinar a Petição em linha acesse o site: http://www.lacanquotidien.fr

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Chegamos a nossa última postagem da série Autismo, e para encerrar o mês de abril, está listada abaixo "NOSSAS CONVICÇÕES" diante da campanha que visa excluir a psicanálise de tratar de crianças e adolescentes autistas...para a Psicanálise, "essas particularidades, que os tornam estrangeiros e ao mesmo tempo familiares a todos nós, fazem com que a clínica do autismo seja fundamental para nos ensinar algo sobre o declínio do simbólico, em nossa contemporaneidade, e o tratamento dos sintomas que são efeitos dele" [...] "nessa clínica, ensinou-nos Lacan, buscamos as condições de escutar o que os autistas têm a nos dizer, em sua maneira particular de tomar a palavra em sua materialidade". (Cristina Drummond, Apresentação do livro: Autismo(s) e Atualidade:Uma Leitura Lacaniana)


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AUTISMO E PSICANÁLISE : disponível em: Lacan Cotidiano 148
      Nossas convicções

O Instituto psicanalítico da Criança (L’Institut psychanalytique de l’Enfant) tomou conhecimento nestes últimos meses de uma estranha campanha que visa excluir a psicanálise de tratar de crianças e de adolescentes autistas. Esta campanha culmina agora com uma proposta de lei que provocou a reação de todos os profissionais1 e grandes associações familiares (UNAPEI).
A dita campanha procede de um intenso trabalho de lobbying que alega tais intenções :
melhorar as condições de uma categoria da população. Na verdade, trata-se para estes promotores da obtenção de poderes públicos de subvenções massivas, ao benefício de métodos de condicionamento, de maneira a oferecer soluções ready-made (já prontas) às famílias que procuram com inquietação soluções lá onde há uma real escassez de acolhimento institucional.
O instituto psicanalítico da Criança reúne psicanalistas, palestrantes de instituições especializadas- psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, fonoaudiólogos, psicomotristas-, profissionais da área da infância- professores, educadores, juristas, médicos....- que agem há muitos anos junto dessas crianças em sofrimento, orientando-se da psicanáilse, de Freud, de Lacan e de avanços mais atuais  na pesquisa clínica.
É devido a todas essas práticas que o Instituto da Criança, pela sua Comissão de Iniciativa, deseja tomar uma posição. Trata-se aqui de dar um testemunho dos princípios que governam nossa ação.

1 – Lembrando que na França, à partir dos anos 60-70, foram os psiquiatras infantis e os psicólogos formados pela psicanálise que começaram a se preocupar com o futuro da situação das crianças autistas até então colocadas em hospital psiquiátrico  ou em instituição fechada, onde a dimensão deficitária era preponderante.
Esses profissionais se apoiam nos psicanalistas anglo-saxons Frances Tustin, Margaret Malher, Donald Meltzer, e na instituição de Maud Mannoni « a Escola experimental de Bonneuil », com os trabalhos de Rosine e Robert Lefort, alunos de J. Lacan.
Estes trabalhos dão aos profissionais- psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, educadores, fonoaudiólogos, psicomotristas- a ideia de um tratamento possível e do aprendizado, levando em conta o sintoma do sujeito para além da coersão.
Os hospitais-dia, no movimento de setorização da psiquiatria se criam nesta perspectiva.
Trata-se de oferecer um acolhimento que não seja baseado no déficit e que tome em conta a particularidade de cada sujeito. A situação familiar faz parte dessa particularidade, pois as constelações familiares são longe de serem todas idênticas. Os pais são recebidos, escutados. As crianças, os adolescentes, são recebidos em pequenos grupos, solicitados para « ateliês » onde podem se inclinar aos seus interesses. Nos momentos das refeições, de jogos, de estudo, eles experimentam novas relações com os objetos e com as demandas, com aquilo que estrutura o mundo de todas as crianças, mas que as crianças autistas se defendem. 

2 – Esta longa experiência de diagnóstico, de acompanhamento das famílias, da realização de um percurso criado especialmente para cada um, fez objeto de inúmeras publicações e copilação de trabalhos.
Esta prática não poderia ser sustentada sem a referência cotidiana da psicanálise, a seu corpo textual, a seu ensino vivo.
Como situar hoje o lugar da psicanálise no tratamento da criança autista ? Nós propomos 5 possibilidades como resposta :
- A formação analítica e a experiência de uma análise pessoal, possibilitam aos profissionais uma ferramenta poderosa para situar as suas ações junto aos sujeitos autistas, utilizando-se de uma distância ideal, mantendo-se à distância dos ideias de normalização ou de normalidade incompatíveis com o acompanhamento profissional dos sujeitos em sofrimento.
-                 Este respeito pela posição do sujeito é a bússola que orienta esta ação. Não trata-se de jeito algum de deixar que a criança e/ou o adolescente seja o jogo por exemplo de seus esteriótipos, repetições, ecolalias, mas de considerar estes como um primeiro tratamento elaborado pela criança para se defender, e de ali se introduzir em uma presença discreta dos elementos  novos que vão complexificar « o mundo do autismo ».
-                 O trabalho é em primeiro lugar que  possa se localizar para a criança uma angústia ou a perplexidade que desperte nela uma interpelação de um outro e a apresentação das funções do corpo na laço desta demanda - se alimentar e se deixar alimentar, perder os objetos urinários e anais, olhar e ser olhado, ouvir e se fazer ouvir. Os psicanalistas têm notado há muito tempo a dimensão de rituais de interposição que constituem inúmeros traços sintomáticos invalidantes. A criação ou a descoberta pela criança de um « objeto autístico », qual seja a sua forma é frequentemente uma fonte fecunda para criar laços e  novos espaço mais livres das restrições « autísticas ». 
-                 Os psicanalistas não contestam de forma alguma a inscrição das crianças autistas nos dispositivos de aprendizagem. Ao contrário, eles valorizam que o sujeito autista está frequentemente já « trabalhando ». Os autistas ditos de « alto nível » testemunham um investimento massivo do pensamento, da linguagem e do domínio do cognitivo onde eles encontram fontes inéditas. De forma geral, para todas as crianças estes profissionais buscam privilegiar as abordagens pedagógicas e educativas que podem ser adaptadas para dar lugar às singularidades sociais e cognitivas das crianças autistas. Os professores e os educadores testemunham, ao seio do Instituto psicanalítico da Criança, o que eles elaboraram junto à criança ou ao adolescente.
-                 Por outro lado os psicanalistas se matêm fortemente contra os métodos ditos « aprendizagem intensiva », que são na realidade métodos de condicionamento comportamental que se utilizam massivamente de lobbying e até mesmo da intimidação para promover « tratamentos » totalitários e totalisantes que se auto-proclamam o único tratamento válido do autismo. 
- Longe dessa redução, tem-se de diferenciar as abordagens de aprendizagem. Os psicanalistas e outros profissionais agrupados no Instituto psicanalítico da Criança, representam todas as categorias profissionais presentes no campo da infância, se declaram especialmente ligados às crianças e aos adolescentes autistas, bem como aos sistemas de tratamento e de educação existente na França, tanto que eles permitem dividir as responsabilidades respectivas e diferenciadas entre os profissionais da saúde, da educação e dos pais.

3 – As classificações atuais dos transtornos mentais- especialmente o DSM- confundem a discussão, fazendo com que apareça ao mesmo nível diagnóstico os sintomas da infância como a gagueira ou a enurese, os « transtornos » referentes a uma normalidade social (tais quais « transtornos oposicionais com provocação »ou os « transtornos de conduta ») e o autismo («transtorno autístico »). O austismo e suas diversas formas se encontra assim isolado como se fosse o único verdadeiro quadro clínico da categoria « Transtorno invasivo do desenvolvimento ». Os debates atuais sobre a continuidade do « espectro autista », sobre a oportunidade de mantê-lo na mesma série dos TED os ditos « Asperger », mostra como esta categoria é instável. Ao interior desse « espectro », deve-se examinar detalhadamente os fenômenos de invasão do corpo e situar as manifestações estranhas e inquietantes pelas quais ele é tomado. 
Os psicanalistas e nomerosos profissionais de orientação lacaniana acompanham assim inúmeras crianças e adolescentes nesta elaboração que os permite de guardar ou de achar um lugar no laço social e familiar. Os pais podem assim se autorizar a falar de certos traços de seu filho e de valorizá-lo apesar de seu jeito estranho.  Este trabalho é necessariamente longo, pois supõe trabalhar com uma diferença da criança que vem ao encontro das expectativas e dos desejos que entornam a sua presença no mundo. O psicanalista ao invés de recolher este sofrimento deve estar atento ao sofrimento dos pais e apoiá-los na dificuldade deles.
4 – Múltiplas hipóteses etiológicas – genética, vacina, neurocognitiva, etc.- apresentadas como verdades científicas seguidas muitas vezes de um único artigo publicado em uma revista, que ouviremos falar alguns meses ou anos mais tarde de caráter duvidoso, circulam nas diversas mídeas e assustam as famílias. Essas hipóteses causais vêm responder estritamente à redução do autismo a uma desordem do desenvolvimento, apresentada como uma doença genética e epidêmica. Elas se confortam da lei de 2005 sobre as deficiências que não visam de forma alguma dar uma sentença do tipo « É um deficiente então isso não é uma doença », mas permitem uma orientação adaptada para a criança e ajuda à família. Tem-se muito a fazer ainda sobre este ponto e as associações de pais são uma força indispensável e inevitável para avançar os projetos adaptados, em particular para as crianças pequenas,  para os grandes adolescentes e jovens adultos.  Neste sentido anunciar o autismo como uma grande causa nacional só poderia ser benéfico a todos que são mobilizados nos tratamentos dirigidos às crianças e adolescentes autistas. 

5 – Os psicanalistas seguem todos os debates científicos em torno das causas do autismo infantil. Quais que sejam as causas elas não podem reduzir o sujeito a uma mecânica. Eles levam em conta o sofrimento que estes sujeitos encontram e promovem instituções e práticas que garantem que a criança e sua família serão respeitadas no momento subjetivo de cada um. Eles facilitam, sempre que possível, a inserção da criança nos laços sociais que não os fazem mal. Eles não são detentores de uma verdade « psicológica » sobre o autismo, eles não são promotores de um « método educativo » particular. Eles são portadores de uma mensagem clara para o sujeito autista e para os pais, e para todos aqueles que em instituição ou em acolhimento singular tomam partido e apostam em acompanhá-los- os psicanalistas pensam assim : é possível construir um outro mundo que aquele da defesa e da proteção onde a criança autista é fechada.  É possível construir uma nova aliança do sujeito e de seu corpo. O esforço de todos visa a demonstrar  clinicamente esta possibilidade.

A Comissão de Iniciativa do Instituto psicanalítico da Criança
Mme Judith Miller (Paris) - Dr Jean-Robert Rabanel (Clermont-Ferrand)
Dr Daniel Roy (Bordeaux) - Dr Alexandre Stevens (Bruxelas)

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