3.5.12

SOBRE À ESCUTA EM PSICANÁLISE...


 
Fazer nascer uma criança
Disponível em Lacan Cotidiano 195
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Sexta-feira, 16 de março último, no âmbito do seminário «As Crianças da Ciência» organizado porNouria Gründler, o Pr. René Frydman e François Ansermet nos ofereceram uma belíssima discussão sobre o tema «fazer nascer uma criança».
Nouria Gründler, em sua apresentação, lembrou, antes de mais nada, que Lacan nos oferece um material de trabalho inédito, face aos novos modos de procriação, e esclareceu sobre as direções de trabalho que suscita o seminário «As Crianças da Ciência». Foi por uma citação de Lacan que ela introduziu a palavra dos conferencistas:
«Vocês surgiram desta coisa fabulosa, totalmente impossível, que é a linhagem geracional, vocês nasceram de dois germes que não tinham nenhuma razão de se conjugar, se não fosse esta espécie de maluquice que se convencionou chamar “amor”1».

François Ansermet começou retomando o que as técnicas científicas da procriação assistida puderam fazer emergir como questionamentos em sua prática analítica. Com efeito, segundo ele, «a arte médica participa na produção de enigmas que conduzem às fronteiras do irrepresentável.»
Lembrou que as biotecnologias, que alguns criticam de maneira por demais conservadora para o seu gosto, pois elas colocariam em crise o simbólico, revelaram, segundo ele, muito mais a falta do simbólico e não sua crise.

              A imagem da origem não existe
Existe de fato uma transgressão da ciência em tentar tornar visível o invisível. E, no entanto, se bem que o real da ciência produza novas imagens, essas imagens não permitem atingir o real de cada um, que permanece impossível de pensar em sua dimensão sexual.
Estas imagens engendram muito mais novos questionamentos, dignos das «teorias sexuais infantis» ou dos «romances familiares» freudianos, nas crianças nascidas da ciência (como testemunharam alguns médicos). É aí que se situa a psicanálise, segundo François Ansermet, do lado da invenção de novas formas de simbolização para esses sujeitos, um por um, invenções próprias para indexar o real, nascido da modernidade científica.

Boa notícia, então, já que a imagética científica, que rodeia de muito perto a «procriação», não esgota a questão singular de cada um, face à contingência absoluta de sua existência. Com efeito, como disse François Ansermet naquela noite, citando Pascal Quignard: «Eu não estava lá na noite em que fui concebido. Uma imagem falta na alma. Chama-se essa imagem que falta "a origem". Nós procuramos esta imagem inexistente atrás de tudo o que vemos». Poder-se-ia duvidar disso do ponto de vista psicanalítico, mas a boa notícia é que são os próprios cientistas que nos dizem isso.

A Ética da possibilidade e o trabalho «com o tempo»
Como nos disse René Frydman, respondendo à uma questão sobre o fato de que seria o «mestre» das procriações que assiste, ele não se situa absolutamente nesse lugar de mestre, contudo, bem mais como ator da “escolha de uma possibilidade”.
Esta «maestria» que conduziria a poder escolher o devir de um ser (seu sexo, a cor de seus olhos, etc.) é, ao contrário, uma fronteira intransponível que orienta a ética do conjunto de seus atos como médico.
Tomando a imagem dos óvulos que existem em toda mulher desde seu nascimento, o Pr. René Frydman se apresentou como alguém que trabalha «com o tempo». De certa forma, todos os irmãos e irmãs já estão potencialmente lá, é preciso trabalhar para fazer advir o que já existe, para «por em jogo o presente num instante decisivo onde tudo vai mudar».
Assim, depois da procriação, seja ela «assistida» ou não, a passagem fulgurante de um pequeno ser de in utero a ex utero é, segundo ele, a mais pura «definição do presente», e o enigma de todo nascimento que não se esgota jamais.
François Ansermet, em seguida, soube fazer ressaltar o elo entre esse ato portador de potencialidades, definido por René Frydman, e o «ato analítico».
Este encontro foi o primeiro de uma série entre François Ansermet e René Frydman. Nós só podemos exortar cada um a vir assistir os que se seguirão, tanto que este aqui já oferecerá fecundos questionamentos aos que o assistiram.
Edwige Shaki
  

1 Lacan J., «le phénomène lacanien» (30 novembre 1974), Les Cahiers cliniques de Nice, n° 1, 1998, p. 18.


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