9.5.12

SOBRE À ESCUTA EM PSICANÁLISE...


Sair do impasse
Disponível em Lacan Cotidiano 169

Eu sempre me senti interpelada por seus silêncios e seu modo distante de estar entre nós. Apoiada na janela, ela amava, olhos fechados, sentir as vibrações das viaturas passando ao longe ou, sentada no jardim, olhar os minúsculos seres andando incessantemente na terra, assistir à suas ocupações silenciosas.

Eu mesma só podia tentar situar-me em um ângulo de seu olhar que me permitiria encontrar a portinha de acesso que se abriria para seu mundo. Mas minhas tentativas se confrontavam sempre com um certo impossível. Minha irmã fechava-se em seu mundo autístico e sorria do mesmo modo perturbador que tinha, ao sorrir para as formigas. Eu sofria por não poder compreendê-la muito bem. Mas eu havia partilhado sua vida e assistido a suas pequenas vitórias misteriosas, quando por exemplo, eu a via pegar um jornal, sempre de lado e olhar, fascinada, as letras, muito atentamente, como se elas soubessem lhe falar, sem lhe causar violência. Ela estava sempre confortável com certas máquinas e invencível com sua bola de futebol, dura e confortante como um escudo de guerra, sempre colada a seu corpo. A tarde, como um signo de grande confiança, ela me emprestava por alguns segundos sua bola, para que eu a fizesse voar pelos ares. E aí, seu riso que explodia tão festivo, era um momento de graça de uma fragilidade de cristal muito precioso.

Não era fácil compreender ou aceitar o que lhe acontecia, e porque ela era tão diferente dos outros. Na verdade, eu não pretendo haver chegado aí, mas posso compreender melhor e carregar meu próprio sofrimento por haver tido uma irmã tão singular.

Lutar, para que os outros respeitassem seus medos, quando eles se aproximavam muito dela, quebrando e ameaçando sua necessidade de espaço, estando uma área limitada, e fazer o possível para que aceitassem sua diferença, foi muito cedo uma posição decidida de minha parte. Posição tomada com a convicção de que era uma das coisas que eu podia fazer para não deixá-la só, nem deixá-la encerrar-se em seu autismo.

Felizmente para ela nunca faltou espaço para ser acolhida numa instituição especializada que soube respeitar isso. Ela estava sempre rodeada de pessoas extraordinárias que apoiaram sua evolução. Pequenas instituições, sobretudo instituições privadas, criadas pela iniciativa dos pais. Minha irmã nunca falou, porque é assim, e talvez porque ela jamais desejou deixar que sua voz ressoasse. Mas ela pode tornar-se uma mulher um pouco mais autônoma e menos invadida por seus medos. Nenhum método coercitivo veio forçá-la ao que quer que seja, nem obrigá-la a ceder sua preciosa bola, esperando recuperar em troca, alguns comportamentos "adaptados".
Meus pais sempre foram ouvidos e ajudados por profissionais tão finamente orientados, que souberam dar lugar à singularidade de minha irmã e nos acompanhar. Será que isto contou em minha vida? Certamente. Tornando-me agora uma psicóloga clínica e psicanalista, estando, do meu lado, trabalhando há muito tempo com crianças, entre elas alguns autistas, e com seus pais, eu me sinto fortemente apoiada por haver estado perto de alguém tão singular, autista, o que seu sofrimento e o de sua família me ensinou. Será que isto invalida minha posição ou meu discurso como parente ou como profissional? Certamente não.

É minha experiência e minha formação psicanalítica que me tem permitido orientar meu trabalho com os autistas de maneira ética e sempre respeitosa, em relação a seu próprio sofrimento e a sua jornada. Nenhuma história é comparável ou superposta a uma outra. Saber respeitar os pequenos detalhes que capturam a atenção dessas crianças e, a partir daí, ajudá-las a construir um mundo sob medida para elas, para que possam ficar vivas e entrar no laço social, é primordial para todo autista. Ajudar as famílias e acompanhá-las, tanto melhor. E ilusório pensar que o apoio a uma criança autista deveria fundar-se numa única abordagem; os psicanalistas jamais defenderam tais posições. Enquanto profissional, eu agora estou confrontada neste país do velho mundo, com a dificuldade de orientação e com a falta cruel de lugares para muitas crianças. Algumas crianças são diagnosticadas muito cedo, mas isto não muda em nada sua situação, porque há pouquíssimas instituições para encaminhá-las e as listas de espera para aquelas que existem, são escandalosamente longas e muito setorizadas.

Eu compreendo o desespero dos pais e suas reivindicações para que seu filho continue integrado à escola, ou seja admitido num estabelecimento especializado, para que os cuidados e um seguimento educativo lhe sejam proporcionados, mas enquanto parente de uma pessoa autista, eu não partilho o ódio atual que os habita, nem o feroz questionamento que algumas associações de pais fazem com relação à psicanálise. Assim como não partilho também a posição louca daqueles que, em nome da psicanálise, continuam a buscar a origem do autismo do lado de alguma falta materna. Os pais de crianças autistas deixam-se manipular em seu medo e em seu desespero. Isto é inadmissível. Eles têm necessidade de ajuda, não de mentiras.
debate a ser levado com os poderes públicos para uma melhor acolhida de sua criança e  da continuação de um apoio de cuidados e educação conjunta, adaptado certamente, mas sobretudo sem esquecer que toda criança autista tem necessidade de ser ouvida e respeitada, mesmo em seu silêncio. As pessoas autistas não têm necessidade de serem "formatadas", porque sua força é justamente sua singularidade.

Mesmo se um dia acontecer de se encontrar as causa do autismo — o que ainda não é o caso —, os autistas continuarão a ser seres de linguagem e sua subjetividade deverá sempre ser levada em conta. Nos debates, não se faz caso do que eles mesmos defendem e do que eles nos ensinam com suas experiências. Entre aqueles que podem partilhar seu testemunho, alguns o têm feito. Escutemo-los. Para além de toda causa, há um sujeito e sua subjetividade. Há tantos autismos quanto sujeitos autistas. Os autistas são, sobretudo, com frequência, as primeiras vítimas do enigma que eles despertam nos outros. Ҩ

Mariana ALBA DE LUNA


2 comentários: