12.11.12

A atualidade do outro: do lapso e do real



A atualidade do outro:
                 do lapso e do real
Philippe La Sagna
 Lacan Cotidiano 236

Uma questão política que é também moral agita um pouco o mundo: aquela do altruísmo. Como se comportar com os outros? E também de onde vêm nossas empatias que nos permitirão compartilhar nossas experiências com os ditos outros e nossas simpatias que nos tornarão suscetíveis de apreciá-los?  Alguns cientistas, como Frans de Waal, etólogo, veem nestas capacidades altruistas uma biologia inata dada, ali onde, ao contrário, convocava-se anteriormente Darwin para  exaltar o egoísmo fundamental do vivo.

O debate sobre o altruísmo percorre as eleições americanas. Barack Obama será muito altruísta para os republicanos, especialmente nodomínio dos cuidados de saúde ou naquele da  política externa. Mitt Romney denuncia os assistidos que votarão em Obama. Ele escolheu como futurovice-presidente Paul Ryan, que jura apenas por Ayn Rand (1905-1982) para quem só há salvação no egoísmo, a menos que o coletivismo ameace.Infelizmente para Paul, Ayn Rand, que também aprecia Putin(sic), é ateia, o que é frequente quando se refuta o Outro. Ela entra, portanto, emcontradição com a religiosidade da maioria dos que votam nos republicanosEm seguida, Paul Ryan é também um defensor de São Tomás, como deHayek, mais prosaica do que o santo homem de Aquino. Mas a sua rejeição do outro faz dele e de Romney um mau negócio para a política exterior!

Paul Ryan está, assim, dividido do mesmo modo que os republicanos consideram a vida humana como sagrada, mas não querem ouvir falar daalternativa à pena de morte. Cada um é, portanto, também um outro para si mesmo, dividido e contraditório. Inútil, então,  procurar o outro muitolonge.

E isso se manifesta muito bem nos lapsos freudianos que pontuam os discursos dos dois candidatos nas eleições americanas.Estes lapsos são a felicidade da imprensa e do You Tube, mostrando que a lição de Freud não está esquecida quando se trata de examinar a mente de Mitt ou Barack. Assim, Romney,  querendo falar sobre seu país, os EUA, utilizou recentemente o termo de "esta empresa" (sic), ou pior,  ao apresentar Paul Ryan para o público, ele disse: "Eu apresento a vocês o seu futuro presidente”.

Para Obama há (entre outros) este lapso sobre o fato de que Cristo "sobrecarregou" o mundo – com um fardo -, alí onde ele queria dizer que o Salvador nos aliviava de um fardo. O mesmo Obama acabará por cair diante das calúnias constantes sobre suas origens , que ele não tem mais que uma só... mãe! Então, é suficiente falar para que o outro cometa seus disparates, para que o discurso do Outro, para que o inconsciente seja uma realidade concreta que os habitantes dos EUA não ignoram, como vocês veem.

Para voltar ao outro, Freud enfatiza que não é sempre que eu mesmo, que acredito amar ou reconhecer nos outros, seja isto que nos reconduz aoegoísmo. Mas Lacan acrescentou, nos anos 60 do século passado, que"Eu me amo  a mim mesmo tanto quanto me ignoro essencialmente, eu amo apenas um outro, um outro com um pequeno a inicial (...)" 1. No mesmo texto ele vai dizer a propósito do sujeito: "Ele é bonito, ele é grande, ele é forte, ele é mais ainda um ser desgraçado, pequeno e miserável". 2 Ou seja, eu sou um outro! Isso significa, então, que o outro que mete seu nariz num lapso, por exemplo, nos diz a verdade? Ou ainda, será que isso significa que aquele que nos fala mente (ver a paixão americana atual por denunciar amentira)Isso quer dizer, sobretudo, que o outro (e aqui se inclui este outro que eu confundo comigo) é nossa maneira de suportar o real, algumas vezes de esquecê-lo, de esquecer também que isto é o nosso sinthomaEntão, ele se tornará este sinthoma quando ele (Ela? Eu?) não for mais o outro.

O real é o que nos faz falar. Não é, portanto, nem eu nem o outro, mas precisamente isto que não fala, isto que se recusa ao sentido e à negociaçãoo próprio real impossível de suportar! O lapso é uma característica deste real que Freud colocava como sexual para um sujeito. Mas esta pode ser uma característica do real e do impossível de governar. Há um outro,  aquele do pensar ou do dialogar, por exemplo, aquele do qual testemunha o autismo. Um lapso é um traço do real mais do que verdadeiro, mesmo que se participe dele. O real é isto que está na origem do sintoma, ele está  no avesso e no direito! Como J.-A. Miller destacava em seu curso de 25 de maio de 2011, para Lacan, em sua "Televisão", "este é o real que permite efetivamente desenlaçar isto que consiste o sintoma"3Não o sentido ou significado, mas o próprio real.

Este real que está sempre presente nestas frases de Lacan e que alguns dos nossos colegas vão desdobrar durante as Jornadas de estudos, este real é o alfa e o ômega da condição humana e isto que a torna sempre mais humana, isto que nos convoca a psicanálise. Resta aos analistas manter-se à sua altura, para os analisantes, seu "eu não quero saber nada" já os assegura aí.

Notes
1 Lacan J., Le triomphe de la religion, Paris : Seuil, 2005, page 47.
Ibid.
3 Lacan J., « Télévision », Autres écrits, Paris : Seuil, 2001, p. 516.

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