24.1.13

Casamento, divórcio e companhia…


Casamento, divórcio e companhia…

Por Pierre-Gilles Guéguen
Lacan Cotidiano 270

O debate sobre o casamento homossexual leva a perceber o quanto a psicanálise, hoje em dia, faz parte da cultura francesa. Nunca se escutou tantos psicanalistas dando suas opiniões "de especialistas" como nesse debate. E, no entanto, nunca a psicanálise foi também tão violentamente criticada. Ataca-se Lacan pelo fato de que ele seria homofóbico1, ou contra os transexuais2, servem-se de uma citação apressada, saída de um índice, e interpretada de forma errada, para sustentar comentários, cuja má intenção já está estabelecida. Além disso, no domínio da saúde mental e no domínio universitário, assiste-se a uma política decidida para a erradicação da formação psicanalítica. Julgam Freud por ter enganado sua mulher com sua cunhada: grande negócio!
            Não creio que os psicanalistas tenham que legislar ou substituir os políticos e os juristas no que diz respeito ao  bem e o mal em matéria de sexo, o que é e o que não é aceitável na criação de perfil das atividades sexuais… dos outros. Lacan estabeleceu, definitivamente, a meu ver: não existe relação sexual (o que não impede que muitas coisas se inscrevam nesse lugar vazio).
            Na democracia, quer dizer, nos regimes não totalitários — aqueles que permitem o exercício da psicanálise — é através das vias legalmente previstas que a legislação fabrica e elabora os códigos que regem as condutas. Como cidadão, eu sou favorável ao homomariage (homocasamento). O casamento é um contrato civil. Aquelas pessoas, cujas crenças religiosas fazem com que considerem o casamento como um sacramento, reservado a duas pessoas de sexo oposto, podem também se casar religiosamente.
            Se me pergunto, por outro lado, sobre que obstáculo haveria hoje para a doutrina psicanalítica ajudar a posicionar, segundo as vias legais, um casamento homossexual (perdão, não "para todos" !), e até mesmo uma parentalidadehomonormée, eu diria que não vejo nenhum.
            Não acredito na idealização da família, que aliás não para de evoluir, desde a família romana, passando pela família patriarcal do século XIX, até as famílias recompostas de hoje em dia. Minha análise ajudou-me a tratar isso. E, Lacan não tinha nenhuma ilusão com a família. Desde 1938, ele tinha previsto o fim do modelo padrão, e todo seu ensino consistiu em sair, gradualmente, da normatividade edipiana. A fase de sua elaboração do "Nome do Pai " já era um distanciamento em relação ao pai da realidade e aos deveres que a religião lhe impunha.
            Lacan —  que é criticado, ou de quem se prevalece a torto e a direito —  nos ensinou, especialmente no Seminário 20 e no Seminário 23, que a lógica do laço social e da sexuação não é uma lógica da identificação, mas uma lógica do gozo.
            Penso que é isso que perturba uma boa parte dos franceses; não é que os homossexuais se casem, é que um lugar foi conquistado, em nossos dias, por aqueles que eram tolerados às margens, e que se encontram, através de um desvio sócio-topológico, no centro da atenção.
            O gozo é autista, tanto do lado feminino, quanto do lado masculino. A solidão de todos está assegurada, salvo se se encontrar num parceiro seu sintoma como modo de gozo. E é o amor que permite essa passagem, e favorece o laço social: as mulheres são mais sensíveis a isso que os homens. Alguns sentem a necessidade de fazer de tal jeito que esse amor possa tomar uma forma oficial, isto apóia e sustenta sua posição de gozo, os « estabiliza » num lugar à luz do sol. Não há nenhuma razão psicanalítica para lhes recusar isso.
            A psicanálise não nasceu no céu platônico das ideias, mas em uma prática inventada em Viena, onde Freud se deixou ensinar por seus pacientes. Hoje, mais do que nunca, é importante lembrar : o gozo dos outros é sempre difícil de suportar ; suportar o próprio gozo também é difícil, frequentemente. É por isso que procuramos um psicanalista.
            Se, porventura, me perguntassem se sou a favor do divórcio homossexual, eu diria : sim.

Notas
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1  Eribon D., Une morale du minoritaire, Fayard, Paris, 2001, p 235-275
2 Relatório da HAS sobre « La situation actuelle et les perspectives d’évolution de la prise en charge médicale du transsexualisme », de novembro de 2009, publicada em fevereiro de 2010.  (relatado por Laetitia Jodeau-Belle)

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