6.2.13

A substância especial das mulheres


A substância especial das mulheres
Por Aurélie Pfauwadel
Lacan Cotidiano 271
A vida é curta, e Sollers decidiu tê-las várias: ao lado de suas “vidas paralelas móveis” e dos múltiplos amores contingentes, atesta uma dupla vida com “estabilidade, aliás, complicada”. Seus  dois amores necessários : Dominique e Julia.
Dominique Rolin, “a mais bela mulher que eu encontrei” (ele tem vinte dois anos enquanto ela tem quarenta e cinco), com seus olhos azuis, seu riso em cascata. É a que lhe ensinou a estrita disciplina da escrita, “a travessia da vida e das aparências ao fim das palavras”. Aquela pela qual se alcança o que amar quer dizer para este homem: sacralizar  uma pessoa em seu corpo sensível e seu intelecto,  através dos meandros da existência, e até a morte. Até o fim, ele a amou e acompanhou – separação dilacerante quando ela morre, em maio de 2012. Durante trinta anos, ele encontrava incógnito em Veneza a bela Dominique, na primavera e no outono.
E então, há a que ele escolheu para mulher e que lhe dará um filho : Julia Kristeva, “engraçada, apaixonada, infatigável”. Sobre isso ele é de um pudor e de uma discrição notáveis. Eles pensaram escrever um livro à quatro mãos que poderia se chamar Le Mariage considere comme un des Beaux-Arts.  Mas não desejava se colocar como exemplo, o segredo dessa “relação sexual” inventada entre um homem e uma mulher estará finalmente ciosamente guardado.
Seguramente, isto fascina. Como o “turbilhão inteligente” o “delírio paralelo” – palavras de Baudelaire que Sollers gosta de citar – pôde funcionar durante mais de 40 anos?
Pois Portraits de femmes não relata somente “a experiência verídica de um homem das mulheres” – o que  atiça a curiosidade – mas se apresenta como a receita de um homem feliz com as mulheres. Sollers não vende suas angústias, seus problemas ou seus embaraços, como alguns romances sinistros ou autoficções de hoje. Ele escreve sua boa-hora (bon-heur, felicidade): sua boa sorte de ter encontrado algumas “mulheres milagres”, tesouros de mulheres livres, cheias de opinião, gostam da escrita, a leitura, a música, rir, dele. Contrariamente ao que se diz frequentemente, as pessoas felizes têm uma história, e corpos que ousam pensar e viver.
Então, como foram capturadas aí? A idéia de fidelidade sexual não tem nenhum sentido para Sollers. A autêntica fidelidade a um ser não está aí. A questão do ciúme é esvaziada em duas linhas, deixando o leitor com sua fome. A referência a Sartre e Beauvoir aflora, mas sobretudo a título de exaltação: o contraste de uma total transparência não é seu gênero de mercadoria. Ao contrário, a ciência do paralelismo e a arte do silêncio parecem requisitados. “A questão consiste em não se inquietar, alertar, lutar”. O tato é a palavra chave desse negócio. Quanto aos detalhes concretos dos ditos ou não ditos: disso nós não sabermos nada!
Sem confissão pública nem método, portanto. Mas Sollers entrega voluntariamente alguns conselhos ao jovem debutante: “Como um homem, você ganhou, se, além disso,  da autoridade versátil que ela reconhece em você, você a faz rir, você se tornou seu irmão, seu parceiro de jogo, e, sub-repticiamente, sua criança (...). Daí, vem às vezes, ligações indefectíveis”. O próprio Freud fazia desse ponto a chave dos casamentos que duram... Mas acriança, segundo Sollers, parece ter uma aceitação particular: é aquele que percebe abaixo da vasta comédia social e de seus semblantes fálicos, que não adere aos truques masculinos, nem desdobra o programa viril. A criança, no fundo, é a que é ainda capaz de se esgueirar na falha do sistema e de alcançar um ponto de vista mais verdadeiro e mais real: o das mulheres. Pois elas, as verdadeiras mulheres, “elas não acreditam nisso”.
É assim que cada mulher quer seja Musa inspiradora ou poderosa deletéria, constitui para Sollers uma janela sobre um fim real. Seus retratos semeados estalam em algumas palavras “a intensidade poética” das mulheres que ele conheceu, tentando alcançar o que faz a substância sempre especial de uma mulher tal como ele a experimentou.

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