21.1.13

▪ CASAMENTO PARA TODOS ▪


 CASAMENTO PARA TODOS 
Lacan Cotidiano Nº 270
Será que os psicanalistas que se opõem ao casamento homossexual apregoam um saber que não têm ? Por que, na sua opinião ?
Eu não diria que eles apregoam um saber que não têm. Eles têm, certamente, um saber que eu não tenho, pois alguns deles conheceram Lacan e exercem a psicanálise há muito tempo. Mas eles utilizam os paradigmas freudianos de forma rígida. Isso dá uma visão da psicanálise desconectada de seu tempo, como se a psicanálise tivesse permanecido no complexo de Édipo e numa ideia normativa de família. A experiência analítica conduz mais a uma descontrução de toda ideia de família normal.  Que haja analistas que se interroguem sobre as consequências do casamento homossexual na sociedade e na família, isso eu acho apaixonante, aliás.
            Duas coisas, no entanto, fizeram questão para mim. Por um lado, os psis que eram contra o casamento homossexual davam uma visão datada da psicanálise, apoiando-se no complexo de Édipo, como se tivéssemos ficado ali. Por outro lado, e é quase o inverso, aqueles que não eram contra, pois também existem os a favor, que afirmavam que não era possível no século XXI se basear nas ideias de Freud, que eram ideias do século XIX. É o que dizia Serge Hefez, no Figaro. Essas intervenções dos psis me inspiraram, porque eu penso o contrário, que as ideias de Freud, tais como Lacan as decifrou, e depois, os avanços de Lacan, nos permitem pensar de maneira muito esclarecedora o que se passa em nossa civilização. A mensagem de Lacan, após Freud, certamente não é « salvemos a família tradicional », ou, « que a ordem reine ».

Você ressalta que o tipo de vida homossexual mudou. Será que nós podemos tirar daí um ensinamento sobre a civilização atual ?
Sim, porque, afinal, a vida familiar é um tipo de vida, mas existem outros. É o que dizia Aristóteles a propósito da felicidade. Não há somente uma maneira de buscar a felicidade. O tipo de vida homossexual representou, por muito tempo, uma antítese ao tipo de vida familiar: união livre, sem filhos. A geração estruturalista, com grandes figuras como Michel Foucault e Roland Barthes, encarnavam também um outro tipo de vida, que a vida clássica em família. A tal ponto que os heterossexuais podiam também aspirar a esse estilo de vida. Pode-se também transmitir algo ao se produzir uma obra : intelectual, artística, científica, política…
            E depois, finalmente, como dizia Lacan, a família é um resíduo. Ela permanece  para além de todas as transformações da sociedade e da vida sexual, um núcleo « real». As pessoas querem, portanto, uma família.
            Ela é realmente o lugar da transmissão da vida e da linguagem. A família, após ter sido objeto de rejeição por parte dos homossexuais, é objeto de desejo. Pode-se ver isso de maneira dialética. Afinal, pode ser que esse momento « anti-família » tenha preparado o momento que vivemos no século XXI : uma verdadeira mutação da família.

Os psicanalistas afirmam que as normas não devem mudar. O que se pode dizer a eles ?
Creio, sobretudo, que esse debate é a ocasião para mostrar que, com Lacan, e, particularmente com seu último ensino, tal como Jacques-Alain Miller nos transmite, ao explicitá-lo, temos os meios para pensar o que se passa, hoje em dia, em nossa sociedade. Estamos em contato com essas convulsões sociais. O teólogo Xavier Lacroix escrevia contra o « casamento para todos » no Le Monde, que « os homossexuais querem entrar na norma, subvertendo-a ». Achei isto muito lacaniano como formulação, e fiquei surpresa com essa referência a Lacan para criticar a subversão das normas… isso também me inspirou.

Os psicanalistas com Lacan : nenhum medo?
De que se pode ter medo, afinal ? O que sai dos debates é que temos medo do apagamento da diferença entre os sexos, e medo de pôr em perigo as crianças, confundindo as referências da transmissão. São medos legítimos. Sobre essas duas questões fundamentais, podemos, com Lacan,  nos comprometer em dizer alguma coisa, sem denegrir a angústia que pode suscitar essa transformação do paradigma da família normal e da filiação. Não se trata tanto de dizer que isto não nos dá medo, como se toda mudança fosse necessariamente boa, mas de ver, de fato, que se trata aí de uma metamorfose, que nos obriga, como escreveu Jacques-Alain Miller, a fazer o luto de uma referência à lei natural. Como pensar uma ordem e limites sem fazer nenhuma referência à natureza ? É o que está em jogo no debate.

Entrevista feita por Anne Poumellec
Paris, 12 de janeiro de 2013

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